Publicada em 23/03/2012 às 09:46:00.

Por Maurício Gentil*

 

Na quinta-feira passada, a notícia ecoou, inicialmente pelo próprio twitter, em posts de diversos usuários: “absurdo, o TSE acaba de proibir a propaganda eleitoral pelo twitter”.

 Os comentários, indignados, resumiam-se aos seguintes aspectos: a) crítica ao que teria sido uma restrição abusiva à liberdade de expressão própria da democracia; b) crítica ao que teria sido uma demonstração de total desconhecimento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, do modus operandi do twitter; c) crítica segundo a qual o TSE teria, mais uma vez, extrapolado os limites de sua atuação e imposto uma resolução, sem respaldo legal, para ser aplicada às eleições de 2012, sem respeito à observância da regra do Art. 16 da Constituição Federal, que determinação a não aplicação da lei que altere o processo eleitoral a eleições que ocorram em menos de um ano.

Examinando mais a fundo o que ocorreu, percebemos que, em boa verdade, o TSE julgou um caso concreto, envolvendo propaganda eleitoral antecipada (praticada por candidato antes do período permitido pela legislação) por parte do candidato a Vice-Presidente da República, Índio da Costa, nas eleições presidenciais de 2010. Nesse caso, a controvérsia girou em torno de incidência – ou não – das proibições que constam da legislação eleitoral à propaganda antecipada para propaganda efetuada por meio do twitter.

Com efeito, a Lei das Eleições (Lei n° 9.504/97, com as alterações introduzidas pela Lei n° 12.034/2009) estabelece, expressamente, a regulamentação aplicável à propaganda eleitoral. Confira-se:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição.

(…)

Art. 57-A.  É permitida a propaganda eleitoral na internet, nos termos desta Lei, após o dia 5 de julho do ano da eleição.(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Art. 57-B.  A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas: (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)     (Vide Lei nº 12.034, de 2009)

        I – em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

        II – em sítio do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

        III – por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

        IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados, cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Como se percebe, a legislação eleitoral já trata do assunto. Regulamenta a propaganda eleitoral a ser realizada também por meio de redes sociais, a exemplo do twitter. E submete a propaganda eleitoral pelo twitter às mesmas rígidas exigências de que somente pode ser realizada a partir de 06 de julho do ano da eleição. A punição para os candidatos que realizam propaganda eleitoral antecipada, por qualquer meio, é a pena de multa.

Por propaganda eleitoral entenda-se aquela em que há pedido expresso de voto, ou aquela em que, indiretamente, faz-se o pedido de voto, por meio de elogios a determinada postura de candidato ou por meio da chamada “propaganda negativa” em relação a adversários, conforme reiterada jurisprudência do TSE. A legislação, porém, também contempla situações que não se enquadram no conceito de propaganda eleitoral antecipada:

Art. 36-A.  Não será considerada propaganda eleitoral antecipada: (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

        I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não haja pedido de votos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

        II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, planos de governos ou alianças partidárias visando às eleições; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

        III – a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; ou (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

        IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se mencione a possível candidatura, ou se faça pedido de votos ou de apoio eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

O julgamento, no TSE, foi apertado (4 x 3). A corrente minoritária, vencida, interpretou que o twitter não pode ser equiparado aos demais meios de comunicação, para os fins da proibição, pela lei eleitoral, de propaganda antecipada, pois “No Twitter não há a divulgação de mensagem para o público em geral, para destinários imprecisos, indefinidos, como ocorre no rádio e na televisão, mas para destinatários certos, definidos. Não há no Twitter a participação involuntária ou desconhecida dos seguidores. Não há passividade das pessoas nem generalização, pois a mensagem é transmitida para quem realmente deseja participar de um diálogo e se cadastrou para isso” (trecho do voto do Ministro Gilson Dipp). Prevaleceu, contudo, a corrente segundo a qual deve a lei eleitoral incidir integramente ao caso da propaganda eleitoral efetuada por meio de redes sociais como o twitter. Mantida foi, então, a multa aplicada ao candidato a Vice-Presidente da República Índio da Costa.

Constatamos então que, ao contrário do que manifestado nas reações iniciais, o TSE não proibiu a propaganda eleitoral pelo twitter, limitando-se a aplicar a legislação eleitoral, que, embora permita a propaganda eleitoral pelo twitter, também proíbe a sua realização antes da data de 06 de julho do ano da eleição.

Parece-me que, no fundo, a insatisfação com a decisão do TSE revela mesmo uma insatisfação crescente contra a previsão da legislação eleitoral – acima citada – segundo a qual a propaganda eleitoral somente pode ser realizada a partir de 06 de julho do ano de eleição, e isso por qualquer meio.

Essa insatisfação, contudo, deve ser objeto de apreciação crítica pela sociedade e objeto de deliberação no Congresso Nacional, a quem incumbe eventual mudança na legislação. Já consideramos aqui, inúmeras outras vezes, que o TSE tem sido excessivamente ativista na inovação de regras eleitorais. Não foi o caso, todavia. A propósito da suposta “proibição” de propaganda eleitoral pelo twitter, ao contrário de ativista, a postura do TSE foi limitada à aplicação estrita do que prevê a lei eleitoral quanto à propaganda antecipada realizada por candidatos.

Como o dispositivo da lei eleitoral que admite a propaganda eleitoral pelo twitter (Art. 57-B, inciso IV da Lei n° 9.504/97, incluído pela Lei n° 12.034/2009) faz referência, também, às mensagens de iniciativa de qualquer pessoa natural, ficou a dúvida sobre a incidência – ou não – da proibição para que pessoas naturais possam, antes de 06 de julho do ano da eleição, emitir manifestações de caráter eleitoral, reveladoras de preferências por candidaturas (embora o TSE tenha examinado o caso a partir da emissão de conteúdo, no twitter, por candidato, e não por simples pessoa natural).

Por esse motivo, o PPS propôs ação direta de inconstitucionalidade em face da norma do Art. 57-B da Lei n° 9.504/97, na qual pede ao STF que seja declarada a inconstitucionalidade, sem redução de texto, conferindo-se ao dispositivo interpretação conforme a constituição para afastar qualquer forma que impeça a livre manifestação do pensamento pelo twitter.  A ação foi distribuída à Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa (ADI 4171). Voltaremos ao tema para comentar a decisão final, com o prognóstico de que o STF deva mesmo declarar a inconstitucionalidade da proibição de “propaganda eleitoral antecipada” pelo twitter quando emanada de postagens de quem não seja candidato, partido político ou coligação partidária, de modo a assegurar, no twitter (e em qualquer outra rede social), a livre manifestação, inclusive de cunho eleitoral, pelo eleitor-cidadão.

 

(*) GENTIL, Maurício.Advogado, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Sergipe (OAB/SE), presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da mesma entidade. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e professor universitário. 

Fonte: Portal da OAB/SE

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Postado por Gilvan Vanderlei
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