Conheça nesta postagem, em que se arvora e como argumenta um Conselheiro Relator da CA/MMFDH atual, para não reconhecer o direito de um anistiado político em 2003, na condição de ex-Cabo da FAB (Pré/64) atingido pelo ato de exceção da Portaria 1.104/GM3/64, num processo de revisão em procedimento administrativo, no suposto devido processo legal, em cumprimento a decisão que emanou do Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE nº 817.338-DF.

Timbre
MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS

 

Nota Técnica n.º 511/2020/DFAB/CA/MMFDH

 

PROCESSO Nº 2002.01.|        |

INTERESSADO: |                                         |

introdução

Trata-se de procedimento baseado na Portaria nº 3.076, de 16 de dezembro de 2019, da Senhora Ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que, amparada pela decisão proferida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, no RE 817.338, determinou a realização de procedimento de revisão de todas as anistias políticas concedidas que fundamentaram-se na Portaria nº 1.104/GM-3/1964, do Ministério da Aeronáutica. 

A Administração iniciou os procedimentos de praxe, determinando a revisão das Portarias concessivas que alcançaram os ex-cabos da Força Aérea Brasileira dispensados da caserna com base na Portaria nº 1.104/64 e, para tanto, procedeu à intimação de cada um dos interessados para que apresentasse defesa, eis que o que se pretende averiguar, conforme o texto da Portaria nº 3.076/2019, é se houve o cumprimento dos requisitos legais e constitucionais na concessão das anistias. Promovida a intimação, foi apresentada defesa perante a Adminsitração.

Passa-se à análise do caso concreto.

 

análise

Devidamente notificadas através da Notificação nº 139/2019/DGTI/CCP/CGP/CA, da Notificação nº 140/2019/DGTI/CCP/CGP/CA e da Notificação nº 142/2019/DGTI/CCP/CGP/CA, a senhora                                         | e a senhora                                       |, filhas do anistiado                                      |,​ apresentaram intempestivamente suas alegações de defesa sem constituir advogado. Registra- se que a presente Nota Técnica será utilizada para analisar ambas as respostas, tendo em vista que são cópias, diferindo, apenas, os nomes das requerentes. Por oportuno, a notificação endereçada à senhora                                         |, enviada no dia 15 de janeiro de 2020 foi devolvida ao remetente de acordo com o protocolo dos Correios MH1062852729BR.

Importante ressaltar, antes de tudo, que o atual momento processual não se presta para a produção de novas provas, eis que o objetivo da presente revisão é verificar se, além da alegação de que a Portaria nº 1.104/64 era um ato de perseguição política, o interessado apontou no processo original provas de que sofrera, de fato, perseguição política individualizada.

Como argumento de defesa, restou consignado que o genitor foi desligado do serviço ativo das fileiras da FAB por força da Portaria 1104/64, como perseguição política, cerceando as aspirações do militar em continuar sua carreira.

Alegou que o anistiado nunca quis se desvincular da Força, no entanto, a legislação vigente à qual estava submetido lhe obrigou o desligamento. Vale dizer que o anistiado, para continuar no serviço ativo, deveria ter logrado êxito no concurso de admissão à Escola de Especialistas da Aeronáutica.

A defesa segue alegando que o anistiado não poderia ter sido desligado da FAB, que já havia atingido a estabilidade e, mesmo assim, fora desligado. É bom que se diga que a suposta ilegalidade da dispensa, mesmo sob o argumento da estabilidade alcançada, deveria ter sido levado a termo no bojo de um processo apto a discutir tal assunto e não como fundamento para a concessão da anistia, pois o único motivo válido para amparar anistias políticas é a comprovação de perseguição política e não a simples inobservância de uma suposta estabilidade alcançada.

Alegam, ainda, a decadência do direito da Administração revisar a anistia, o que está afastada pela simples aplicação da Tese de Repercussão Geral 839. 

Vale dizer que o referido cidadão teve seu pedido de anistia política deferido através da Portaria nº       |, do Ministério da Justiça, de 03 de dezembro de 2003, tudo com arrimo na Lei nº 10.559/2002, pois fora desligado excluído da FAB em 10 de janeiro de 1967, com base na Portaria nº 1.104/64.

Já em seu pedido original, apresentou um resumo de sua situação na FAB, elencando antecedentes históricos do regime militar, alegando a invalidade da Portaria nº 1.104/64 e que sua dispensa da Força, com base na referida normativa, ocorreu por motivação exclusivamente política.

Na instrução do processo original, o requerente limitou-se a juntar documentos referentes à sua carreira e não se observou qualquer prova apta a demonstrar que tenha participado de movimentos revolucionários, ou seja, não comprovou que tenha sofrido, particularmente, perseguição política.

Para que não restem dúvidas, é imperioso uma breve explanação sobre a motivação administrativa ensejadora do presente procedimento, que é a referida decisão que emanou do Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE nº 817.338, que permite a revisão de anistias concedidas sem a devida comprovação de um fator primordial para a concessão da benesse, qual seja, a prática de ato – pelo Estado – com motivação exclusivamente política.

Ressalta-se que o motivo do ato administrativo constitui o fato jurídico que autoriza ou exige a emissão daquele ato jurídico. Nada mais é que um aspecto pertinente à formalização do ato administrativo, uma vez que envolve necessariamente o seu revestimento exterior. Dito de outra forma, a motivação do ato administrativo é a exteriorização formal do motivo.

Além dessa dimensão formal, a motivação do ato administrativo também tem uma dimensão substancial. Sob essa perspectiva, a motivação é o meio que torna possível a recondução do ato administrativo a um parâmetro jurídico que o torne compatível com as normas jurídicas vigentes.

De acordo com o art. 50, § 1º, da Lei Federal 9.784/1999, a motivação do ato administrativo deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. Exatamente o que descreve a Portaria instauradora do procedimento revisional.

Nesse passo, a Portaria Ministerial nº 3.076, de 16 de dezembro de 2019, da Senhora Ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, está devidamente motivada na já comentada decisão Plenário do Supremo Tribunal Federal no âmbito do Recurso Extraordinário nº 817.338, o qual autorizou a revisão de processos de anistia política em que não tenha sido observada a motivação exclusivamente política como premissa para a concessão de benefícios aos Ex-Cabos da Força Aérea Brasileira, cujo único fundamento que lastreou os deferimentos era a Portaria nº1.104/64. Sendo assim, a nosso ver, superada a suposta inocorrência de motivação da presente revisão, eis que devidamente autorizada pela Suprema Corte brasileira.

Vale mencionar que a notificação supra foi explícita ao fixar prazo para que o anistiado apresentasse as razões de sua defesa, ou seja, para que comprovasse que a concessão de sua anistia foi fundamentada em razão de comprovada perseguição política, além de – simplesmente – alegar estar amparado por decisões administrativas que fixaram a tese da Portaria nº 1.104/64 ser, por si só, um ato de perseguição política.

É cediço que, para o cidadão ter o seu pedido de anistia política reconhecido, é necessária a comprovação cabal de que tenha sido atingido por atos estatais contra si praticados por motivação exclusivamente política, o que não ocorreu no presente caso, dada a ausência, nos presentes autos, de comprovação nesse sentido.

Reforço que nos autos originais onde tramitou o pedido de anistia ora discutido, não foi encontrado um documento sequer que ateste ou comprove que o anistiado tenha sofrido perseguição política. Apenas o relator construiu uma tese de que a Portaria 1.104/64 era um ato de exceção, ignorando todo o panorama da carreira das praças da Força Aérea Brasileira.

É bom que se diga que a construção da argumentação que sedimenta a tese exposada na Súmula Administrativa da Comissão de Anistia nº 2002.07.0003, de 16 de julho de 2012 não estava amparada por elementos reais que comprovariam a perseguição política individualizada do ex-Cabo                                 |​​, mas – apenas – uma construção narrativa de que a Portaria nº 1.104/64 era, per si, um ato de perseguição política generalizada. Vejamos o seu inteiro teor:

A Portaria nº 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política.

Com efeito a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “no exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas”.

A discussão jurídica que ensejou a referida tese de Repercussão Geral baseava-se em Recursos Extraordinários em que se discutiam, à luz dos arts. 2º, 5º, II, XXXVI e LXIX, e 37, caput, da Constituição Federal e do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a possibilidade de um ato administrativo, caso evidenciada a violação direta do texto constitucional, ser anulado pela Administração Pública quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/1999. Discutia-se, ainda, se uma portaria que disciplinava tempo máximo de serviço de militar atendia aos requisitos do art. 8º do ADCT.

O Relator do RE 817.338, Ministro Dias Toffoli, considerou possível que a administração pública reveja os atos administrativos mesmo após decorrido o prazo legal de cinco anos, desde que se constate flagrante inconstitucionalidade. O Ministro destacou que a Portaria 1.104/1964, por si só, não constitui ato de exceção e que é necessária a comprovação caso a caso da ocorrência de motivação político-ideológica para a exclusão das Forças Armadas e a consequente concessão de anistia

Segundo o Relator, a Comissão de Anistia, ao presumir que teria havido motivação política em todas as dispensas com base na portaria do Ministério da Aeronáutica, concedeu indiscriminadamente a anistia sem exigir o exame de cada caso. Esse fato, a seu ver, contraria o dispositivo constitucional que exige a demonstração de motivação exclusivamente política.

Com efeito, o requerente jamais comprovou qualquer participação em movimentos políticos, o que é condição indispensável e antecedente a uma alegada perseguição política que sofrera. Soma-se a isso, a já comentada ausência de elementos fáticos aferidos pela própria Comissão de Anistia que concedeu o benefício ora combatido, ou seja, o colegiado apenas limitou-se a construir uma teoria, sem qualquer base empírica, de que ocorreu perseguição política generalizada a todos os cabos da FAB à época, sem levar em conta, que o ato de perseguição política é pessoal.

Importante destacar que as provas de perseguição política que deveriam ser trazidas aos autos, juntamente com o pedido original de anistia não foram encontradas no processo e, tampouco, no presente momento.

Vale dizer que o momento principal para a produção da prova foi ultrapassado, sem prejuízo de apresentação de novo requerimento, fundado em argumentos e provas novos, que não constaram deste processo, para a submissão à análise da Comissão de Anistia, seguindo-se o regular curso legal. Esse no entanto, não pode ter o condão de perpetuar situação ilegal, que onera irregularmente os cofres públicos.

Outro ponto que merece destaque é a alegação de que o requerente não poderia ser alcançado pelo regime jurídico estabelecido pela Portaria nº 1.104/64, no entanto, é sedimentado na jurisprudência pátria que não existe direito adquirido a regime jurídico.

Essa interpretação, solidamente consolidada no seio do Excelso Pretório, obviamente não é nova. Já há mais de cinquenta anos, no RE 24362-DF, o STF já decidira que o funcionário público não tinha direito adquirido à manutenção do regime estatutário vigorante ao tempo de sua investidura. Eis o teor do acórdão:

“AUTARQUIA. REGIME DE ACESSO DE SERVIDORES. ALTERABILIDADE POR CONVENIENCIA DO SERVIÇO. NÃO SE VERIFICA OFENSA A QUALQUER TEXTO LEGAL, COM O PROCLAMAR O ACÓRDÃO SUB-CENSURA O PRINCÍPIO DE QUE O FUNCIONÁRIO PÚBLICO NÃO TEM DIREITO ADQUIRIDO A MANUTENÇÃO DO REGIME ESTATUTARIO VIGORANTE AO TEMPO DE SUA INVESTIDURA.” (STF, RE 24362/DF, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. RIBEIRO DA COSTA, Julgamento: 26/08/1954, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJU 02/12/1954, pág. 14.907, EMENTÁRIO VOL-00196-02, PP-00615).

O entendimento supra está ancorado no fundamento de que a relação jurídica entre o servidor público e ente estatal não é de natureza contratual, não decorre de vontade das partes e não se submete a livre negociação de valores salariais (ou tais negociações se restringe as lindes traçadas pela lei) ou regime de trabalho.

Os direitos, deveres e o regime de trabalho não são definidos por meio de acordo de vontades. Cuida-se, com efeito, de relação jurídica estatutária, que advém, portanto, de uma lei (estatuto) e, por essa razão, é impessoal. O regime jurídico não é, pois, de propriedade individual do servidor, não se incorpora ao seu patrimônio.

O professor Paulo Modesto inclusive nos ensina acerca do tema:

“É pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores quanto à inexistência de direito adquirido a regime jurídico por parte dos servidores públicos ocupantes de cargo público. Diz-se, nestes casos, que a relação jurídica que o servidor mantém com o Estado é legal ou estatutária, ou seja, objetiva, impessoal e unilateralmente alterável pelo Poder Público. A disciplina geral da função pública é considerada inapropriável pelo servidor público e, portanto, tida como sujeita a modificação com eficácia imediata tanto no plano constitucional quanto infraconstitucional.” (Reforma Administrativa e Direito Adquirido, Revista Diálogo Jurídico, Ano I, vol. I, nº 8).

As condições de desempenho das atribuições do cargo são dispostas em lei e, portanto, cogentes, tanto para os servidores quanto para a Administração Pública. Modificações ulteriormente efetuadas por leis são unilateralmente impostas pelo Estado em razão das conveniências impessoais de interesse público, com aplicação imediata e atingem todos os servidores enquadrados em suas disposições, respeitadas as garantias constitucionais.

Agora, resta saber se os militares também podem ser alcançados pelo conceito de servidores públicos e a resposta parece ser positiva, tanto na Constituição Federal, quanto na jurisprudência pátria, vejamos:

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Servidor militar. Transferência para reserva remunerada. Adicional de inatividade. Direito adquirido a regime jurídico. Inexistência. Legislação local. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes.

1. É pacífica a jurisprudência da Corte de que não há direito adquirido a regime jurídico, inclusive o previdenciário, aplicando-se à aposentadoria a norma vigente à época do preenchimento dos requisitos para sua concessão.

2. O Tribunal de origem concluiu, com fundamento na Lei pernambucana nº 10.426/90, na Constituição estadual e nos fatos e nas provas dos autos, que o adicional de inatividade pago aos militares que se transferiam para a reserva já havia sido revogado quando o ora agravante preencheu os requisitos para a aposentadoria.

3. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação local e o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 280 e 279/STF.

4. Agravo regimental não provido.

(STF – ARE: 744672 PE, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 03/09/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-214 DIVULG 28-10-2013 PUBLIC 29-10-2013). (Sem os grifos no original).

Sendo assim, nem servidores públicos civis, nem os militares possuem direito adquirido a regime jurídico, razão pela qual não há como invocar a incidência de norma anterior à Portaria nº 1.104/64 para agasalhar o intento do requerente.

Pelo exposto, conclui-se pela necessidade de anulação da Portaria nº     |, do Ministério da Justiça, de 03 de dezembro de 2003, que concedeu anistia política a                                        |​​, uma vez que fundamentada apenas na Portaria nº 1.104/1964, sem prova de eventual ato de exceção de motivação exclusivamente política por parte do Estado. Ademais, assegura-se a não devolução das verbas já recebidas, em conformidade à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 817.338 com Repercussão Geral, na Sessão Plenária de 16 de outubro de 2019.

Encaminhem-se os autos para decisão da Senhora Ministra de Estado, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.559/2002.

 

MARCO VINICIUS PEREIRA DE CARVALHO
Assessor Especial da Ministra

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
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