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V O T O

O Senhor Ministro Edson Fachin: Acolho o bem lançado relatório da Min. Rosa Weber, mas, nada obstante, divirjo do seu voto. A Lei 9.882/99, ao disciplinar o rito da arguição de descumprimento de preceito fundamental, indicou, como um dos requisitos de cabimento da ação, o princípio da subsidiariedade, cujo teor extrai-se do seguinte dispositivo:

“Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1º Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.”

Conforme entendimento desta Corte:

“…A mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, contudo, não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir impedindo, desse modo, o acesso imediato à arguição de descumprimento de preceito fundamental revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional. A norma inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99 que consagra o postulado da subsidiariedade estabeleceu, validamente, sem qualquer ofensa ao texto da Constituição, pressuposto negativo de admissibilidade da arguição de descumprimento de preceito fundamental, pois condicionou, legitimamente, o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional à observância de um inafastável requisito de procedibilidade, consistente na ausência de qualquer outro meio processual revestido de aptidão para fazer cessar, prontamente, a situação de lesividade (ou de potencialidade danosa) decorrente do ato impugnado. (ADPF 237 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe-30.10.2014, grifei)

Em sede doutrinária, o Ministro Luís Roberto Barroso leciona acerca do alcance e da caracterização da subsidiariedade para fins do cabimento de ADPF no seguinte sentido:

“O descabimento de outros mecanismos concentrados de controle de constitucionalidade, como assinalado, é um elemento necessário para caracterizar a presença da subsidiariedade que justifica a ADPF. Não se trata, porém, de elemento suficiente. Além da presença dos demais requisitos referidos acima, é preciso que os mecanismos subjetivos existentes sejam insatisfatórios justificando uma intervenção concentrada por parte do STF. Se tais mecanismos forem adequados para afastar eventual lesão, não se justifica o uso da ADPF. O sistema brasileiro de controle concentrado de constitucionalidade não se destina a absorver toda e qualquer discussão subjetiva envolvendo questões constitucionais. Por tal razão, os jurisdicionados não detêm a expectativa legítima de verem todas as suas disputas apreciadas pelo STF em sede de uma ação abstrata. Para conhecer as lides e dar-lhes solução, existe um complexo sistema orgânico e processual que, eventualmente, poderá até mesmo chegar ao STF pelas vias recursais próprias de natureza subjetiva. Nesse contexto, portanto, a ADPF não é uma ação abstrata subsidiária, no sentido de que seria cabível sempre que a ação direta de inconstitucionalidade ou a ação declaratória de constitucionalidade não o fossem. Como explicado acima, a subsidiariedade significa apenas que não caberá ADPF se outro meio idôneo capaz de sanar a lesividade estiver disponível, não podendo ser extraída da regra da subsidiariedade a conclusão de que seria possível o ajuizamento de APDF sempre que não coubesse ADIn e ADC. ” (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 289, g.n.)

Assim, a compreensão do que deve ser “meio eficaz para sanar a lesividade”, se interpretada extensivamente, esvaziaria o sentido da ADPF, pois é certo que, no âmbito subjetivo, há sempre alguma ação a tutelar – individual ou coletivamente – o direito alegadamente violado, ainda que seja necessário eventual controle difuso de constitucionalidade.

De outro lado, se reduzida ao âmbito do sistema de controle objetivo, implicaria o cabimento de ADPF para qualquer ato do poder público que não autorizasse o cabimento de ADI, por ação ou omissão, ou ADC.

Penso, então, que o critério deve ser intermediário, de maneira que “meio eficaz de sanar a lesão é aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata . No juízo de subsidiariedade há de se ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional” (ADPF 388, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 01.08.2016, g.n.)

Especialmente os processos objetivos, porque haverá casos cuja solução ampla, geral e imediata ocorrerá por outros instrumentos processuais (ADI Estadual, por exemplo, v. ADPF 536 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2018, e o recurso extraordinário nela interposto, v. ADPF 536 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2018).

E a ADPF tampouco serve a tutelar “ situações jurídicas individuais ” (ADPF 553 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2019; ADPF 390 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2017) No caso concreto, compreende a i. Relatora que o julgamento do RE 817.338, submetido à sistemática da repercussão geral, já se prestou a solver a controvérsia suscitada pela Arguente.

Referido acórdão contém a seguinte ementa:

EMENTA – Direito Constitucional. Repercussão geral. Direito Administrativo. Anistia política. Revisão. Exercício de autotutela da administração pública. Decadência. Não ocorrência. Procedimento administrativo com devido processo legal. Ato flagrantemente inconstitucional. Violação do art. 8º do ADCT. Não comprovação de ato com motivação exclusivamente política. Inexistência de inobservância do princípio da segurança jurídica. Recursos extraordinários providos, com fixação de tese. 1. A Constituição Federal de 1988, no art. 8º do ADCT, assim como os diplomas que versam sobre a anistia, não contempla aqueles militares que não foram vítimas de punição, demissão, afastamento de suas atividades profissionais por atos de motivação política, a exemplo dos cabos da Aeronáutica que foram licenciados com fundamento na legislação disciplinar ordinária por alcançarem o tempo legal de serviço militar (Portaria nº 1.104-GM3/64) . 2. O decurso do lapso temporal de 5 (cinco) anos não é causa impeditiva bastante para inibir a Administração Pública de revisar determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final da cabeça do art. 54 da Lei nº 9.784/99 autoriza

 a anulação do ato a qualquer tempo, uma vez demonstrada, no âmbito do procedimento administrativo, com observância do devido processo legal, a má-fé do beneficiário.

3. As situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, sob pena de subversão dos princípios, das regras e dos preceitos previstos na Constituição Federal de 1988. Precedentes.

4. Recursos extraordinários providos.

5. Fixou-se a seguinte tese: “ No exercício de seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica relativos à Portaria nº 1.104, editada pelo Ministro de Estado da Aeronáutica, em 12 de outubro de 1964 quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas .”

 (RE 817338, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-190 DIVULG 30-07-2020 PUBLIC 31-07-2020)

Na petição inicial da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, a Associação arguente requer:

“3) A procedência do pedido quanto ao mérito, no sentido de que seja declinada se a Portaria n° 1.104GM3, de 12 de outubro de 1964, editada pelo Exm° Ministro da Aeronáutica, foi um ato público em desconformidade com a legislação militar e Constituições Federais de 1946 e 1967, sejam interpretados em conformidade com os preceitos fundamentais da Constituição, diante das seguintes premissas:

3.1) A referida portaria foi revogada pelo art. 263, do Decreto n° 57.654, de 20/01/66, publicado no DOU de 31/01/66 ; 3.2) Aludida portaria contrariou disposição dos artigos 91, II e 93, parágrafo único da Constituição Federal de 1946 e art. 87, II, da Constituição Federal de 1967 .

3.3) A aplicação da portaria já revogada e, portanto, sem nenhum valor jurídico foi de medida Inconstitucional .

3.4) Referida portaria por ter violado disposições legais, ofendido a hierarquia das normas, e nestas condições ter sido aplicada para licenciar os Cabos da FAB com 8 anos de efetivo serviço com a finalidade de impedir a estabilidade dos mesmos , está recepcionada pelo item XI, do art. 2° da Lei nº 10.559/2002, que regulamentou o art. 8º do ADCT, da Constituição Federal de 1988.

3.5) As análises dos fatos que concluíram pela excepcionalidade da portaria resultando na Súmula Administrativa n° 2002.07.0003-CA publicada no DOU 18/09/2002 é constitucional.”

De fato, da análise dos pedidos formulados, depreendo, com a devida vênia, que o objeto da ADPF é mais amplo, uma vez que as premissas apresentadas na ação não foram objeto de análise pelo Plenário quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 817.338, dadas as balizas inerentes à interposição dessa espécie recursal.

Assim, não se configura, para justificar a inadmissão da presente ação, que é meio eficaz – amplo, geral e imediato – para a solução da controvérsia.

Dessa forma, voto pelo provimento do Agravo Regimental, assentando o cabimento da presente ADPF, pois atendido o requisito do art. 4º, §1º, da Lei n.º 9.882/99.

É como voto.

 

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– Voto da Relatora


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  OO  O 

– Votaram Acompanhando a Relatora:

 

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
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