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Ao Papai Noel

Sim, eu sei, já é dia 25, portanto o Papai Noel já saiu da Lapônia etc., mas, como escrevo este texto na virada de 22 para 23 de dezembro, ainda estou em tempo de fazer o meu pedido.

O que quero não é nada exagerado, exótico ou estrambótico. Quero apenas que o bom velhinho dê à maior parte do povo deste país uma capacidade que, como é mais do que sabido, ele não tem. Falo da capacidade de leitura, a capacidade de ler, que, obviamente, nem de longe se resume a decodificar letras, sílabas etc.

Refiro-me ao entendimento do que está escrito e também do que, embora não esteja escrito, pode ser "lido". Sim, "lido", entre aspas mesmo, porque me refiro a todos os tipos de leitura, o que inclui, por exemplo, a "leitura" de signos não verbais, a "leitura" da realidade – a leitura do mundo, enfim.

O que assistimos desde sempre neste país, com lances surreais em 2014, é suficiente para que se possa dizer que é impressionantemente alto o nosso grau de indigência cognitiva, intelectual etc. Durante o período eleitoral, as "leituras" (com quatro aspas de cada lado, nesse caso) feitas pelos que se descabelaram nas infames "redes sociais", verdadeiro depósito da fina flor da nossa estupidez, beiraram o… Não há palavra que traduza isso.

O besteirol exposto por petistas e antipetistas, por exemplo, fez corar de vergonha quem já leu meia página de qualquer coisa séria. A "lógica" aplicada para a "leitura" dos fatos, das declarações e dos pensamentos e, depois, para a "elaboração" da resposta ao "inimigo" é típica de quem tem dois neurônios, um dos quais muitas vezes está fora do ar. Exemplos? Será que são necessários? Com um mínimo de isenção, conseguem-se inúmeros, dos dois lados do ringue.

E a nossa incapacidade de ler os signos verbais e os não verbais das leis de trânsito? É de dar dó! A maioria não consegue "ler" a rotatória, o triângulo de cabeça para baixo etc. Bem, não somos capazes de ler nem a placa "PARE", o que dirá um signo não verbal. Os motoristas profissionais não conseguem "ler" a placa que indica a altura de pontes e viadutos, e entalam os seus imensos caminhões.

Na escola, a coisa também vai de mal a pior. Nossos alunos não entendem o que leem, não dominam as quatro operações. Engenheiros "leem" mal o que precisam transformar numa obra, aí caem viadutos, edifícios. Não são poucos os "educadores" que leem o construtivismo como lhes apraz. E algumas das nossas escolas de medicina, que se negam a "ler" a violência que grassa no seu seio?

Entra no rol das nossas peculiaridades a "leitura" que certas pessoas fazem do descalabro na coisa pública Brasil afora. Refiro-me aos que pedem os militares no poder, para "limpar" o país. Esses pobres de espírito leem "farda" como sinônimo de "probidade", "competência" etc. Como dizia Millôr, o pior cego é aquele que quer ver (não me enganei; não falta o "não").

E a roubalheira na Petrobrás, que indigna brasileiros de todos os matizes? "Como é que esses caras metem a mão no dinheiro público?", leem corretamente os nossos patrícios. Detalhe: muitos deles colocam cones na rua, na frente do seu comércio, para guardar vagas. E a maioria aceita isso passivamente. Isso não é transformar o público em privado? Excremento da nossa safadeza, o cone mostra como "lemos" o espaço público.

Caro Papai Noel, o senhor deve estar com o saco cheio de presentes. O meu saco também está cheio, mas de outra coisa: do baixo nível deste país. Posso nutrir alguma esperança, caríssimo Pai Natal? É isso.

inculta@uol.com.br

pasquale cipro neto
Pasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de "Cotidiano".
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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
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