De: Marcos Sena [mailto:marcos.sena@uol.com.br]
Enviada em: quarta-feira, 31 de outubro de 2012 19:52
Para: gab.eliana.calmon@stj.jus.br; gab.teori.zavascki@stj.jus.br; stj.gmtaz@stj.jus.br; gab.castro.meira@stj.jus.br; gab.arnaldo.lima@stj.jus.br; gab.humberto.martins@stj.jus.br; secretaria.hb@stj.jus.br; gab.napoleao.maia@stj.jus.br; gab.min.campbellmarques@stj.jus.br; fmourao@stj.jus.br
Cc: (…)
Assunto: Direito Administrativo
Prioridade: Alta

 

Excelentíssima Senhora Ministra Eliana Calmon,

 

A senhora foi entrevistada recentemente no programa Canal Livre da TV Cultura, site http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/ministra-eliana-calmon-sera-sabatinada-no-roda-viva onde pudemos constatar que a vossa preocupação é promover JUSTIÇA para resgatar a confiança do cidadão brasileiro no Poder Judiciário.

Eu, MARCOS ANTONIO MENDES DE SENA, cidadão brasileiro, Presidente da ASSOCIAÇÃO DOS ANISTIANDOS DO NORDESTE – ASANE, gostaria de, em nome de todos que compõem a categoria de “ex-cabos da FAB”, parabenizá-la pela vossa determinação, sobretudo corajosa, de resgatar a confiança que a sociedade sempre depositou no Judiciário. Não é por acaso que a representação figurativa da JUSTIÇA seja a de uma mulher!

Permita-me também, Excelentíssima Ministra, tecer alguns comentários à respeito da situação dos ex-cabos da FAB, especialmente no tocante aos direitos estabelecidos na legislação militar cujo alguns excertos transcrevo mais adiante.

Antes porém, importante salientar que:

  1. Nunca fomos militares temporários. Na nossa época sequer havia sido criado na FAB o referido quadro e, após sua criação, o mesmo sempre foi regulamentado por legislação específica, através de Decreto do Presidente da República;
     
  2. Tínhamos o direito de permanecer no Serviço Ativo até a aquisição da estabilidade;
     
  3. A Portaria nº 1.104/64 é ato de exceção de motivação exclusivamente política em toda a sua extensão, (cf. declaração do STF no (AgRg)RE 329.656-16/CE, rel. Min. Nelson Jobim e Súmula Administrativa 2007.07.0003-CA). Assim sendo, todos aqueles que por ela foram prejudicados têm o direito de serem declarados anistiados políticos, conforme concluiu o Grupo de Trabalho criado pelo Decreto de 17 de setembro de 1999, do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, na Exposição de Motivos nº 146/MJ, de 2000.

Gostaria também de levar ao conhecimento de V. Excia. sobre as informações prestadas ao Judiciário pelo então Ministro de Estado da Justiça Marcio Thomaz Bastos, quando solicitado, as quais, também serviram de base para anulação das declarações de anistia dos ex-cabos da FAB incorporados após a edição da Portaria nº 1.104/64:

  1. Que não tínhamos o direito de sermos declarados anistiados políticos porque não tínhamos o status de cabo na data de edição da Portaria nº 1.104/64.

Obs.: Os ex-cabos a que se refere o ministro haviam sido declarados anistiados políticos por se enquadrarem nos incisos I e XI, do art. 2º, da Lei nº 10.559/2002, enquanto que, status de cabo não faz parte da lista de motivos elencados na citada Lei;

  1. Que a Portaria nº 1.104/64 só foi ato de exceção para aqueles incorporados antes de sua edição, não o sendo para aqueles incorporados após.

Obs.: A referida Portaria foi declarada como ato de exceção de motivação exclusivamente política por força da Súmula Administrativa nº 2007.07.0003-CA, e pelo STF no (AgRg)RE 329.656-16/CE, rel. Min. Nelson Jobim, não havendo nenhum fato novo que possa descaracterizar a “sua origem e o contexto político da época como de exceção”.

  1. Que tínhamos prévio conhecimento das regras estabelecidas pela Portaria nº 1.104/64.

Obs.: Como pode um Ministro de Estado da Justiça, antes de tudo, um advogado conhecido pelo seu alto saber jurídico como é o caso do Dr. Marcio Thomaz Bastos, decidir, hoje, sobre um direito do cidadão, alegando que este, quando ainda de menor idade, na década de 60, ao se alistar para o Serviço Militar aos 17 anos de idade como determinava a Lei do Serviço Militar da época, tinha prévio conhecimento de um mero ato administrativo interno do Ministério da Aeronáutica, como a Portaria nº 1.104/64, mesmo sabendo que esta espécie de ato não impõe conhecimento nem observância ao particular e que os cidadãos só são obrigados a conhecer a Lei?

  1. Que no processo de anistia houve falsidade dos motivos que ensejaram a declaração de anistia.

Obs.: Como já visto, os ex-cabos foram declarados anistiados políticos por estarem enquadrados nos incisos I e XI, do Art. 2º, da Lei nº 10.559/2002, enquanto que o ministro da Justiça considera o status de cabo antes da edição da Portaria nº 1.104/64 como condição sine qua non para que o interessado fosse declarado anistiado político, mesmo que esta condição não faça parte dos motivos elencados na Lei.

 

  1. QUANTO A SER OU NÃO MILITARES TEMPORÁRIOS VEJAMOS O QUE REZAVA A LEGISLAÇÃO MILITAR DA ÉPOCA:

 

LEI Nº 5.774, DE 23 DE DEZEMBRO DE 1971

Dispõe sobre o Estatutos dos Militares e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

ESTATUTOS DOS MILITARES

TÍTULO I

Generalidades

Art 1º O presente Estatuto regula a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos militares.

Art 2º As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, destinam-se a defender a Pátria e a garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem. São instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei.

Art 3º Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.

§ 1º Os militares encontram-se em uma das seguintes situações:

a) na ativa:

Ios militares de carreira;

II – os incorporados às Forças Armadas para prestação do serviço militar inicial, durante os prazos e previstos na Lei do Serviço Militar ou durante as prorrogações daqueles prazos;

III – os componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados ou mobilizados;

IV – os alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e

V – em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas.

b) na inatividade:

I – na reserva remunerada, quando pertencem à reserva das Forças Armadas e percebem remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização; e

II – reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores, estão dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuam a perceber remuneração da União.

 

§ 2º Os militares de carreira são os que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, têm vitaliciedade assegurada ou presumida

 

  1. QUANTO AO DIREITO DE PERMANECER NO SERVIÇO ATIVO ATÉ A ESTABILIDADE:

 

ESTATUTO DOS MILITARES

Decreto-lei n° 9.698, de 02/09/1946, revogada pelo Decreto-lei n° 1.029, de 21/10/69.

Art. 3° Os membros das Forças Armadas não constituem casta social mas formam uma classe una e indivisível, da pátria, denominada Classe dos Militares.

Art. 4° – É militar de carreira o componente das Forças Armadas com vitaliciedade assegurada ou presumida.

Art. 34, letra "n" – São direitos dos militares a demissão e o licenciamento do serviço ativo.

Art. 36A praça, com vitaliciedade presumida, só perde a graduação e o direito à transferência para a reserva remunerada, ou à reforma, quando expulsa do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, de acordo com as prescrições da legislação respectiva.

 

    Lei n° 2.370, de 09/12/54

Regulava a Inatividade dos Militares

Capítulo IV

Do Licenciamento ou Baixa do Serviço, Exclusão ou Expulsão.

Art. 36 – O licenciamento ou baixa do Serviço é feito:

  1. a pedido;
  2. ex offício

Art. 37 – O licenciamento "a pedido" poderá ser concedido, desde que não haja prejuízo para o serviço:

  1. ao oficial da reserva, após a prestação de serviço ativo durante 6 (seis) meses;
  2. à praça, desde que conte, no mínimo, a metade do tempo de serviço a que se obrigou.

Art. 38 – O licenciamento ex-offício será aplicado:

  1. por conclusão do tempo de serviço ou estágio, assegurado, no primeiro caso, o direito a engajamento ou reengajamento, na forma da lei ou dos regulamentos;
  2. por incapacidade física, quando não for o caso de reforma;
  3. por haver a praça contraído matrimônio com infração no estabelecido no Decreto-lei n° 9.698, de 02/09/46

Art. 39 – O licenciamento ou baixa do serviço processar-se-á na forma do disposto no Decreto-lei n° 9.698, de 02/09/46, lei e regulamento do Corpo de Oficiais da Reserva e nos regulamentos particulares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica

 

  1. QUANTO A PORTARIA SER OU NÃO ATO DE EXCEÇÃO DE MOTIVAÇÃO EXCLUSIVAMENTE POLÍTICA PARA TODOS OS EX-CABOS DA FAB INDEPENDENTE DA DATA DE SUA INCORPORAÇÃO:

Em primeiro lugar, referida Portaria já foi declarada pelo STF como “ato de exceção mascarada de ato administrativo”, v. cfr. (AgRg)RE 329.656-16/CE, rel. Min. Nelson Jobim, que assim destacou:

O conteúdo político da mencionada Portaria é induvidoso, pois editada no momento histórico em que se procurava punir os oficiais considerados subversivos, por suas concepções político-ideológicas, através de mascarados atos administrativos”.

O mencionado acórdão do STF ainda assevera que “há que se interpretar a Lei que anistia de forma extensiva, a fim de que o benefício atinja todos aqueles, que de alguma forma, foram punidos por atos de conteúdo político”.

Em segundo lugar, o Plenário da Comissão de Anistia reunido na Sessão Extraordinária realizada no dia 16 de julho de 2002, resolveu editar a Súmula Administrativa nº 2007.07.0003-CA, de 3 de setembro de 2002, (Doc. em anexo), para fins de aplicação nos requerimentos de anistia idênticos ou semelhantes, publicada no DOU nº 181, de 18 de setembro de 2002, Sessão 1, p. 31, ainda em vigência:

“A Portaria nº 1104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção de natureza exclusivamente política”.

Senhora ministra, não entendemos como um ato administrativo, (Portaria de Anistia), que nasceu com a presunção da legitimidade, cujo processo passou por todas as etapas sem que nenhum dos órgãos interessados (MJ, MD, AGU, CA) impugnasse nenhuma das fases, onde todas diligências foram feitas, documentos oficiais foram fornecidos pelo Ministério da Defesa e Comando da Aeronáutica, um Parecer Conclusivo foi encaminhado ao então Ministro de Estado da Justiça, portaria declaratória de anistia foi assinada e publicada no DOU, possa ser anulado sem o devido processo legal, num procedimento reprovado até mesmo pela Consultoria do Ministério da Justiça através do Parecer CEP/CGLEG/CONJUR/MJ Nº 071/2007 da lavra do Advogado da União Fernando de Carvalho Amorim, (Doc. na íntegra em anexo), cujo excertos reproduzo abaixo:

PARECER CEP/CGLEG/CONJUR/MJ Nº 071/2007

….

IV – COMPETÊNCIA DA COMISSÃO DE ANISTIA

07.       A Comissão de Anistia, integrante da estrutura do Ministério da Justiça, na qualidade de órgão colegiado de assessoramento direto e imediato do Titular da Pasta, tem a finalidade específica de examinar os requerimentos de anistia política, a teor dos artigos 10 e 12 da Lei nº 10.559, de 2002, dos artigos 1º, inciso I, e 7º, do Anexo do Decreto nº 6061, de 2007, e do artigo 1º, incisos I e II, do Anexo da Portaria nº 253, de 23 de fevereiro de 2006 (Regimento Interno da Comissão de Anistia).

08.       De seu turno, uma vez acionado pela Chefia de Gabinete do Ministro da Justiça, antes de se tecer considerações sobre a remessa dos processos em foco, cumpre à este órgão jurídico observar os procedimentos formais para tanto e, sobretudo, respeitar as atribuições específica, não delegáveis, da exclusiva alçada do Colegiado.

09.       De tal forma, e a fim de se evitar possíveis questionamentos sobre invasão de competência, a ética e, acima de tudo, o princípio da legalidade impõem que os processos em comento sejam restituídos, via Chefia do Gabinete do Ministro, à Comissão de Anistia, competente para examinar os pedidos de anistia e, consequentemente, seus desdobramentos (revisões, anulações, etc.), bem assim, auxiliar o Ministro da Justiça em suas decisões.

09.1.    Assim, cabe àquele Colegiado apreciar os processos apontados no Anexo da Portaria Nº 594, de 2004, que consubstanciou o ânimo Ministerial de anular os atos que reconheceram a condição de anistiados políticos, com reparação mensal, permanente e continuada, de ex-cabos e soldados que ingressaram no serviço ativo da FAB, depois da edição da Portaria nº 1.104-GMS, de 12 de outubro de 1964, do Ministério da Aeronáutica.

09.2.    Tudo materializando o espírito da NOTA PRELIMINAR Nº AGU/JD-3/2003, desde que observados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Eram estes, Excelentíssima Ministra, os esclarecimentos que gostaria de passar, esperando que as informações aqui prestadas possam ser úteis ao desafio de V. Excia. na consolidação de um Estado Democrático de Direito e, aquelas prestadas pelo Ministério da Justiça e Advocacia-Geral da União possam, pelo menos, passar pelo controle da LEI e da JUSTIÇA.

Atenciosamente,

 

M_Sena_48x74
Marcos Sena
Presidente da Associação dos Anistiandos do Nordeste – ASANE
Tel.: (+.55.81) 9974.7559 (Tim)
E-mail: marcos.sena@uol.com.br

 

gvlima15_jpg
Postado por Gilvan Vanderlei
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
E-mail gvlima@terra.com.br