BASTOS E A JUSTIÇA

Livro preferido diz que julgamentos morais são para ‘majestosa vingança de Deus’

Bastos, o ‘ministro’ dos bastidores

Longe dos holofotes, ex-titular da Justiça ajuda governo a sair de enrascadas e faz contatos até com o PSDB


Dois anos e um mês se passaram desde sua saída da Esplanada, mas até hoje ele bate ponto em Brasília quase toda semana. Ministro da Justiça de janeiro de 2003 a março de 2007, o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos não abandonou a rotina na capital da República: foi e ainda é o homem que ajuda a livrar o governo das piores enrascadas.

Discreto, ele também atua nos bastidores da cena política, auxilia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas articulações com o PSDB e o DEM, conversa com ministros, juízes e presidentes de tribunais e joga água na fervura das crises que atormentam o Palácio do Planalto.

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Há oito dias, Thomaz Bastos acompanhou a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à entrevista no Hospital Sírio-Libanês, quando ela anunciou que estava em tratamento para combater um câncer no sistema linfático. Saiu de lá e foi almoçar com a amiga e o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, no restaurante italiano Magari, da rua Amauri, no Itaim Bibi. No cardápio, os planos do governo para Dilma, pré-candidata do PT à Presidência, em 2010.

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Quarenta e oito horas depois, Thomaz Bastos já estava de volta a Brasília, onde participou, à noite, do fórum nacional dos juízes federais criminais. Saudado pelos colegas, sentou-se à mesa de autoridades junto com seu sucessor, Tarso Genro. Terminado o encontro, foi jantar no Piantella, conhecido restaurante frequentado por políticos, com o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli.

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Detalhe: Toffoli é hoje o nome mais cotado para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda este ano, mas enfrenta resistências.

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CONFESSIONÁRIO

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Não há no Planalto um problema de grande impacto na seara política ou jurídica que não passe pelo “confessionário” do ex-ministro da Justiça. Nos últimos meses, sua atuação foi decisiva para conter a guerra de facções na Polícia Federal, escancarada com a Operação Satiagraha, que vasculhou a vida do banqueiro Daniel Dantas.

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Foi Thomaz Bastos, por exemplo, quem ajudou a construir o acordo que resultou na transferência do delegado Paulo Lacerda – ex-diretor-geral da PF e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – para o cargo de adido em Lisboa.

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Depois de uma quarentena de um ano, o ex-ministro não vê impedimento ético em defender agora a empreiteira Camargo Corrêa e o empresário Eike Batista, alvos de investigações da Polícia Federal – instituição que foi subordinada a ele até março de 2007.

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Costuma até mesmo citar Rui Barbosa, que esteve dos dois lados do balcão, para rebater seus críticos: “Eu tenho o dever de respeitar as instituições, mas, como advogado, tenho o direito de criticar os erros de seus integrantes.”

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Aos 73 anos, 51 de carreira e participação em 700 julgamentos no Tribunal do Júri, o homem que até hoje sente “uma bola no estômago” quando faz sustentação oral decidiu alinhavar planos de longo prazo depois de descobrir um câncer, 40 dias após deixar o governo. Removeu metade do pulmão esquerdo, fez 16 sessões de quimioterapia e, de quebra, corrigiu o astigmatismo que o perseguia desde os 15 anos.

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Quase toda semana ele conversa com Lula, almoça com Dilma e visita juízes

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Curado do tumor, Thomaz Bastos recebeu alta dos médicos e resolveu fazer o que gosta. Ganhou do ministro do Supremo Carlos Ayres Britto dois livros de meditação escritos por um mestre indiano e pratica religiosamente, durante 20 minutos por dia, a arte de ficar zen. Fã de romances, ele também está lendo Leite Derramado, de Chico Buarque, e The Man to See, biografia de Edward Bennett Williams.

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Advogado norte-americano, Williams cultivava um lema que chamou a atenção do criminalista: “Eu defendo os meus clientes da culpa legal. Julgamentos morais eu deixo para a majestosa vingança de Deus”.

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INTRIGA DO BEM

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Além da paixão pelo direito penal, Thomaz Bastos tem um “fraco” pela articulação política. Aprecia tanto uma boa prosa que, não fosse advogado, diz que seria psicanalista.

Lula chegou a defini-lo como a “cabeça equilibrada” do governo. “Ele é como um embaixador: atua na defesa do interesse público e faz a intriga do bem”, resume Toffoli, que torce pelo apoio do colega para ser indicado à cadeira de Ellen Gracie no Supremo.

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Thomaz Bastos acompanha com lupa o troca-troca no STF, onde tem afilhados, porque Eros Grau ameaça antecipar em um ano sua aposentadoria, prevista para agosto de 2010.

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Para o ex-deputado petista Sigmaringa Seixas – outro que socorre o Planalto em horas difíceis –, o amigo é sempre consultado porque tem um perfil sob medida para apagar incêndios: além de ser um dos mais renomados advogados do País, circula com desenvoltura nos tribunais, nos partidos aliados e da oposição e não dá cotoveladas nem disputa espaço. “Sendo assim, é natural que, mesmo não estando no ministério, ele seja chamado quando há uma crise”, afirma Sigmaringa.

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As missões de Thomaz Bastos, porém, são tão secretas quanto os 17 volumes de um diário que ele escreveu sobre os bastidores do governo durante os quatro anos e dois meses em que ocupou a Justiça. Os cadernos, cada um deles com cerca de 200 páginas, estão guardados num cofre fora de seu escritório. “Pretendo entregar tudo ao Arquivo Nacional, com embargo de 50 anos”, garante ele aos curiosos.

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Quase toda semana Thomaz Bastos conversa com Lula pessoalmente ou por telefone. Quando está em Brasília, cumpre sempre o mesmo ritual: passa na sala de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente, e almoça com Dilma. O ex-ministro tornou-se amigo de Dilma logo que ela foi “puxada” para a Casa Civil no lugar de José Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão, em 2005. Na época, o titular da Justiça integrava o núcleo duro do governo – que se reunia toda segunda-feira com Lula para avaliar o cenário político e econômico – e ajudou a montar o gabinete de crise, conhecido no Planalto como “gabinete em crise”.

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Seus desafetos juram que é de sua lavra a tese de que o mensalão foi um crime eleitoral, circunscrevendo o escândalo ao jargão dos “recursos não-contabilizados” para reduzir os danos causados ao governo e salvar Lula do impeachment. “Isso virou uma lenda, mas não é verdade. Se eu fosse o advogado, teria inventado defesa melhor”, repete ele, rindo, toda vez que o tema vem à tona.

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Paulista de Cruzeiro, Thomaz Bastos é até hoje amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de Dirceu – seus pais foram padrinhos de casamento dos pais do ex-chefe da Casa Civil –, mas nunca mais recuperou a boa relação que tinha com o deputado Antonio Palocci (PT), então ministro da Fazenda. Motivo: Palocci tentou pressioná-lo a enquadrar a Polícia Federal no episódio da violação de sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa, revelado pelo Estado, em março de 2006. Sem sucesso, o petista acabou culpando Thomaz Bastos por sua queda.

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Um ano depois, no entanto, o próprio titular da Justiça pediu para deixar o governo. Mas continua agindo longe dos holofotes.

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Coisas da política. ?

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Vera Rosa

BRASÍLIA


Fonte: A6 / NACIONAL – DOMINGO, 3 DE MAIO DE 2009 – O ESTADO DE S.PAULO

http://jpdf.estadao.com.br/servicos/login/loginframe.php3?RC_URL=http://digital.estadao.com.br/default.asp

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(*) Grifos e negritos nossos.

Postado por: Gilvan Vanderlei
Cabo – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
E-mail gvlima@terra.com.br