Juiz Federal MIGUEL ÂNGELO DE ALVARENGA LOPES (JFMG)

Nos autos do Processo nº 0001874-81.2012.4.01.3800 ajuizado por LAERCIO PAULO DE SOUZA PINTO contra a UNIAO FEDERAL decidiu:

(…)

LAÉRCIO PAULO DE SOUZA PINTO: "…O autor sustenta que, apesar de constar dos documentos oficiais que seu desligamento se deu a pedido, na realidade foi compelido a solicitar seu afastamento, pois vivia dentro dos quartéis em pleno período de ditadura militar, e qualquer tentativa de não observar a Portaria 1.104-GM3/64 não seria tolerada, podendo significar ameaça à sua vida e à integridade física e psíquica".

(…)

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, julgo procedente o pedido para, reconhecendo a decadência do direito à revisão da anistia, nos termos do art. 54, caput, da Lei 9.784/99, anular a Portaria nº 3.490/2010 e restabelecer os efeitos da Portaria Anistiadora nº 1.761/2005, condenando a União a pagar ao autor o benefício ilegalmente suprimido, desde a data do cancelamento da anistia, em 28/10/2010 (data da publicação no DOU), tudo nos termos da fundamentação supra.

(…)

Prezado companheiro FABIANO,

Antes de disponibilizarmos o restante da informação, gostaríamos de comunicar-lhe que em breve estaremos fechando este “PORTAL” que durante tantos anos vem prestando um grande serviço à comunidade dos “Ex-Cabos da FAB atingidos pela Portaria n° 1.104GM3/64”.

A ASANE (Associação dos Anistiandos do Nordeste) se orgulha de ter prestado esse grande serviço, passando informações atualizadas e precisas aos nossos usuários, no Brasil e no exterior, assim como, ter possibilitado o "Bate Papo" entre toda a comunidade durante todos esses anos.

Infelizmente o afastamento dos nossos associados e, principalmente, a inadimplência dos mesmos nos obrigam a adotar esta iniciativa que tanto nos entristece e enfraquece.

Por essa razão, fazemos um último apelo ao companheiro para nos unirmos no sentido de evitarmos a “retirada do ar” desse PORTAL que tanto nos tem servido.

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S E N T E N Ç A

 

AÇÃO ORDINÁRIA / SERVIÇOS PÚBLICOS

Processo nº: 0001874-81.2012.4.01.3800
Autor: LAERCIO PAULO DE SOUZA PINTO
Ré: UNIAO FEDERAL
Tipo Sentença: B

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária ajuizada por LAERCIO PAULO DE SOUZA PINTO contra a UNIAO FEDERAL, pretendendo seja declarada a nulidade da Portaria nº 3.490, de 27/10/2010, com o consequente restabelecimento dos efeitos da Portaria Anistiadora nº 1.761, de 09/09/2005, reconhecendo ao autor a condição de anistiado político e determinando-se, ainda, o pagamento dos valores devidos desde o cancelamento da Portaria de Anistia, acrescidos de juros de mora e correção monetária.

Relata o autor, militar da Aeronáutica, que foi exonerado na época da ditadura; que, com o advento da Constituição de 1988, foi instituída a Anistia Política; que, em 09/09/2005, foi editada a Portaria nº 1.761, declarando o autor anistiado político e reintegrando-o à aeronáutica na graduação de Segundo-sargento com o pagamento das respectivas vantagens.

Aduz, contudo, que, por meio da Portaria nº 3.490/2010, foi declarada a nulidade, por insubsistência, da referida Portaria nº 1. Defende a nulidade do processo administrativo por inobservância do devido processo legal e consequente ofensa à ampla defesa e ao contraditório.

Salienta que ingressou na Aeronáutica antes da edição da Portaria 1.104/64 e, como tal, não há dúvida de seu desligamento da Força Aérea deu-se por motivação exclusivamente política, nos termos da Lei nº 10.559/2002, que veio regulamentar o art. 8º, do ADCT.

Inicial instruída com os documentos de fls. 16/100.

Inicial emendada às fls. 102/103.

Justiça gratuita deferida à fl. 104.

Citada, a Ré apresentou a contestação de fls. 108/119, instruída com documentos (fls. 120/354), via da qual refuta, inicialmente, a alegação autoral de inobservância ao devido processo legal. Sustenta que o STF firmou jurisprudência no sentido de que a Portaria nº 1.104-GM3/1964, da Força Aérea Brasileira, não teve qualquer fundamento político, salientando que o simples marco temporal, consistente na data de ingresso na FAB, isoladamente considerado, não pode ser elemento suficiente para a caracterização de ato de exceção de natureza exclusivamente política. Defende o direito da Administração Pública rever seus próprios atos e a impossibilidade de convalidação do ato que acarreta lesão ao interesse público, motivo pelo qual não há que se falar em decadência.

Foi proferida decisão às fls. 355/357, indeferindo o pedido de antecipação da tutela jurisdicional.

Impugnação à contestação às fls. 360/366.

Deferida a produção de prova testemunhal (fl. 367), foi realizada audiência, cuja ata se encontra às fls. 369/371.

Alegações finais das partes apresentadas às fls. 374/386 (autor) e 387/393 (União).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Não havendo preliminares arguidas pelas partes e não reconhecendo a existência de vícios processuais, passo diretamente ao exame do mérito.

Cuida-se, como visto, de ação em que o autor, militar da Aeronáutica, se insurge contra a anulação da Portaria nº 1.761, publicada no DOU de 09/09/2005, que lhe havia reconhecido a condição de anistiado político.

A matéria posta em discussão nestes autos já foi objeto de profunda e detida análise pela Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do MS 18.606/DF, decidindo-se, por maioria de voto, pela ocorrência da decadência do direito de anulação da portaria concessiva de anistia, quando decorrer o prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54, caput, da Lei 9.784/99, entre a Portaria que concedeu a anistia e a Portaria individual que a anulou.

O referido julgado restou ementado nos seguintes termos:

MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE ANISTIA CONCEDIDA COM BASE NA PORTARIA 1.104-GMS/1964. DECADÊNCIA DO ATO DE ANULAÇÃO. NOTAS E PARECERES DA AGU QUE NÃO SE PRESTAM À CARACTERIZAÇÃO DE MEDIDA IMPUGNATIVA NOS TERMOS DO § 2º DO ART. 54 DA LEI 9.784/99. MATÉRIA EXAMINÁVEL NA VIA MANDAMENTAL. AFRONTA AO ART. 8º DA CF/88. VIOLAÇÃO REFLEXA. PRECEDENTES DO STF. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. A Constituição Federal, no § 5º do seu art. 37, previu que "A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento". De igual modo, por compreensão extensiva, incumbe à lei a determinação de prazo de decadência quando desta se tratar, conforme sobreveio no art. 54, §§ 1º e 2º, da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.2. Não incide a ressalva inscrita na parte final do caput do art. 54 da 9.784/99, pois não se fala, em momento algum, na ocorrência de má-fé, vício que não pode ser presumido.

3. O conceito de "autoridade administrativa", a que alude o § 2º do art. 54 da Lei de Processo Administrativo, não pode ser estendido a todo e qualquer agente público, sob pena de tornar inaplicável a regra geral contida no caput, em favor da decadência.

4. Devem ser consideradas como "exercício do direito de anular" o ato administrativo apenas as medidas concretas de "impugnação à validade do ato", tomadas pelo Ministro de Estado da Justiça – autoridade que, assessorada pela Comissão de Anistia, tem competência exclusiva para decidir as questões relacionadas à concessão ou revogação das anistias políticas, nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei 9.784/99 c/c 10 e 12, caput, da Lei 10.559/02.

5. As NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 não se enquadram na definição de "medida de autoridade administrativa" no sentido sob exame, haja vista sua natureza de pareceres jurídicos, de caráter facultativo, formulados pelos órgãos consultivos, com trâmites internos, genéricos, os quais não se dirigem, especificamente, a quaisquer dos anistiados sob opálio da Súmula Administrativa nº 2002.07.0003 da Comissão de Anistia.

6. Manifestações genéricas não podem obstar a fluência do prazo decadencial a favor de cada anistiado, que já contava com o seu direito individual subjetivado, materializado, consubstanciado em ato administrativo da autoridade competente, o Sr. Ministro da Justiça, subscritor da respectiva Portaria concessiva de tal benefício legal, militando, em seu prol, os princípios da legalidade, boa-fé e legitimidade, em consonância com a ordem jurídica em vigor.

7. No caso, a anulação da anistia foi promovida quando já ultrapassados mais de 9 (nove) anos, restando consumada a decadência administrativa, nos termos do caput do art. 54. E, mesmo se considerada, excepcionalmente, a data da publicação da Portaria Interministerial MJ/AGU 134, de 15/2/11, que instaurou procedimento de revisão das anistias, como hábil a afastar a decadência, ainda assim esta já se havia consumado.

8. Admitindo-se, ainda, que o prazo de decadência, previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, pode ser interrompido, ou mesmo suspenso, o que, em princípio, é contra a natureza do instituto (art. 207 do CC), ainda assim, para tanto, seria, como é, imprescindível – sob pena de violação às garantias maiores do devido processo, do contraditório, da ampla defesa, etc. – que o beneficiário do prazo em curso seja, individualmente, cientificado do teor do ato interruptivo ou suspensivo, no curso do referido prazo, na forma prescrita no art. 66, da Lei 9.784/99, in verbis: "Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento".

9. Presume-se, por força do art. 3º da LINDB (antiga LICC), o conhecimento da lei, sendo defeso escusar o seu cumprimento sob alegação de desconhecê-la. Tal presunção, todavia, não se estende a atos administrativos, como aqueles já referidos, praticados, genericamente, nos idos de 2003 e 2006, pelo MJ e AGU, internamente, sem, contudo, dar conhecimento pessoal aos principais interessados na matéria, quais sejam, os beneficiados pelas anistias, ao abrigo da Súmula Administrativa 2002.07.0003-CA, que dispôs: "A Portaria nº 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política".

10. A matéria é plenamente examinável na via do writ, por se tratar, essencialmente, de interpretar qual o alcance das regras legais referidas, pois os fatos da anistia e da sua revogação são incontroversos, tanto quanto o é a inexistência de má-fé, vício sequer mencionado. Incide, assim, a Súmula 625/STF, a saber: "Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança."

11. Não se olvida que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo simples transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99. No caso concreto, contudo, a questão a ser dirimida pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Interministerial MJ/AGU 134/11 não se vincula a eventual inconstitucionalidade da Súmula Administrativa 2002.07.0003 da Comissão de Anistia.

12. O constituinte originário não se preocupou em definir, no art. 8º, caput, do ADCT, o que seria um ato de exceção, institucional ou complementar, de motivação exclusivamente política, tendo tal encargo sido deixado para o legislador infraconstitucional, que criou a Lei 10.559/02.

13. Ainda que se admita, para argumentar, suposto equívoco da Comissão de Anistia ao editar a Súmula Administrativa 2002.07.0003, tal se resolve no campo infraconstitucional, à luz da Lei 10.559/09, não havendo falar em "ato inconstitucional", mormente porque eventual afronta à Constituição se daria de forma indireta, o que não desafia exame de (in)constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e, muito menos, por esta Corte. Precedentes do STF.

14. Segurança concedida para declarar a decadência do ato que anulou a portaria anistiadora. Custas ex lege. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos da Súmula 105/STJ (MS 18.606/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 28/06/2013)

Confiram-se, por oportuno, os seguintes trechos do voto do Exmo. Ministro Arnaldo Esteves Lima, que inaugurou a divergência e se consagrou relator para a lavratura do acórdão:

“Inicialmente, é oportuno registrar que a Constituição Federal, no § 5º do seu art. 37, previu: § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

De igual modo, por compreensão extensiva, incumbe à lei a determinação de prazo de decadência quando desta se tratar, conforme sobreveio na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, cujo art. 54, §§ 1º e 2º, dispõe:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. (grifos nossos)

Não incide, à evidência, a ressalva inscrita na parte final do art. 54, pois não se refere, em momento algum, à ocorrência de má-fé, vício que não pode ser presumido.

Não há, outrossim, espaço jurídico para se invocar o § 2º do mesmo artigo. O conceito de "autoridade administrativa", a que alude tal dispositivo, não pode ser estendido a todo e qualquer agente público, sob pena de tornar inaplicável a regra geral contida no caput, em favor da decadência.

Com efeito, devem ser consideradas como exercício do direito de anular o ato administrativo apenas as medidas tomadas pelo Ministro de Estado da Justiça, autoridade que, assessorada pela Comissão de Anistia, tem competência exclusiva para decidir as questões relacionadas à concessão ou revogação das anistias políticas, nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei 9.784/99 c/c 10 e 12, caput, da Lei 10.559/02, in verbis:

(…)

Nesse contexto, tenho que somente "A instauração, por autoridade competente, de portaria que determina a instauração de processo de revisão da condição de anistiado político do impetrante importa exercício regular do direito de anular, causainterruptiva do prazo decadencial (conf. art. 54, § 2º, da Lei nº 9.784/99)" (MS 14.748/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, Terceira Seção, DJe 15/6/2010 – grifos nossos).

(…)

Além de serem praticados pela autoridade administrativa competente, tais atos devem ter por escopo a "impugnação à validade do ato".

O conceito de impugnação, ademais, não pode ser estendido a todo ou qualquer ato de simples contestação de um direito, mas àqueles atos administrativos de controle que, consoante doutrina de BANDEIRA DE MELLO, "visam impedir ou permitir a produção ou a eficácia de atos de administração ativa mediante exame prévio ou posterior da conveniência ou da legalidade deles" (In "Curso de Direito Administrativo". 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 393).

Quanto às NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006, verifica-se que elas não se enquadram na definição de "medida de autoridade administrativa" no sentido sob exame, haja vista sua natureza jurídica diversa: trata-se de pareceres jurídicos, de caráter facultativo, formulados pelos órgãos consultivos do Ministério da Justiça, com trâmites internos, genéricos, não se dirigindo, especificamente, a quaisquer dos anistiados sob o pálio da Súmula Administrativa nº 2002.07.0003 da Comissão de Anistia, que recebeu a seguinte redação:

A Portaria nº 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política.

Com efeito, os pareceres jurídicos, ainda na lição de BANDEIRA DE MELLO, apenas "visam informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração" (MELLO, p. 393).

(…)

Ocorre que as NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 tinham por objetivo apenas opinar acerca dos aspectos de legalidade e abrangência da Súmula Administrativa 2002.07.0003 da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, concluindo pela necessidade de se alterarem os critérios até então utilizados para análise dos pedidos de anistias dos chamados "Cabos da Força Aérea".

Tais manifestações genéricas não poderiam, como não podem, obstar a fluência do prazo decadencial a favor de cada anistiado, que já contava com o seu direito individual subjetivado, materializado, consubstanciado, em suma, em ato administrativo da autoridade competente, o Sr. Ministro da Justiça, subscritor da respectiva Portaria concessiva de tal benefício legal, militando, em seu prol, os princípios da legalidade, boa-fé e legitimidade, em consonância com a ordem jurídica em vigor.

Aliás, a própria Lei 9.784/99, em seu art. 66, é clara ao dispor: Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.

Segundo narram os autos, entre a data da Portaria individual 2.490, de 7/12/02, que concedeu a anistia ao impetrante, e a Portaria 882, de 22/5/12, que anulou a primeira, transcorreu prazo superior a 9 (nove) anos. Logo, consumada estaria, como está, para nós, com a devida vênia, a incidência do caput do art. 54.

E, se considerarmos, excepcionalmente, a data da publicação da Portaria Interministerial MJ/AGU 134, de 15/2/11, que instaurou procedimento de revisão das anistias, como hábil a afastar a decadência, no caso, para este fim não se presta, uma vez que o lapso temporal já se havia consumado.

A propósito, oportuno mencionar os seguintes precedentes, nos quais a Primeira Seção acolheu a decadência, verbis :

MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR ANISTIADO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DE REVISÃO. DECADÊNCIA. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/99. ORDEM CONCEDIDA.

1. "O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé." e "Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato." (artigo 54, caput, e parágrafo 2º, da Lei nº 9.784/99).

2. Instaurado o processo de revisão de anistiado político após decorridos mais de sete anos da sua concessão e quase seis anos de recebimento da prestação mensal, permanente e continuada, resta consumado o prazo decadencial de que cuida o artigo 54 da Lei nº 9.784/99.

3. Conquanto se admita que o controle externo, oriundo dos Poderes Legislativo e Judiciário, não esteja sujeito a prazo de caducidade, o controle interno o está, não tendo outra função o artigo 54 da Lei nº 9.784/99 que não a de impedir o exercício abusivo da autotutela administrativa, em detrimento da segurança jurídica nas relações entre o Poder Público e os administrados de boa-fé, razão pela qual não poderia a Administração Pública, ela mesma, rever o ato de anistia concedida há mais de cinco anos.

4. Ordem concedida.

(MS 15.346/DF, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Primeira Seção, DJe 3/12/2010 – grifos nossos)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIADO POLÍTICO. PRESTAÇÃO MENSAL, PERMANENTE E CONTINUADA. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. PODER DE AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. ART. 54, CAPUT E § 2º, DA LEI N.º 9.74/99. DECADÊNCIA. TRANSCURSO DE LAPSO TEMPORAL SUPERIOR AO QUINQUÍDIO LEGAL.

1. O art. 54 da Lei 9.784/99, ao disciplinar o processo administrativo, estabeleceu o prazo de cinco anos para que pudesse a Administração revogar os seus atos.

2. A despeito de a Administração Pública estar adstrita à observância do princípio da legalidade, por força do art. 37 da Constituição Federal, deve o poder público observar outros princípios, notadamente o da segurança jurídica, corolário do Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º da Constituição Federal. Precedente: ( MS 9112/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, DJ 14/11/2005).

3. A antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmava o entendimento de que os atos administrativos inválidos poderiam ser revistos pela autoridade administrativa em nome do princípio da legalidade, ao fundamento de que os atos eivados de vícios não poderiam produzir efeitos. Nessa linha de raciocínio é que foram editadas as Súmulas 346 e 473, do STF.

4. Com a edição da Lei n.º 9.784/99, a jurisprudência passou a reconhecer que a invalidação dos atos administrativos sujeita-se a prazo decadencial, por aplicação expressa do art. 54, que assim dispõe: Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

3. É que a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material.

4. In casu, a questão central reside no transcurso do prazo decadencial para a prática da Portaria n.º 523/2009, que pretende anular ato da Portaria n.º 1.336/2004, consubstanciado no reconhecimento do impetrante como anistiado político e, consequentemente, ao pagamento de prestação mensal, permanente e continuada em substituição à aposentadoria excepcional.

5. O primeiro pagamento da prestação mensal a que se pretende anular ocorreu em 02 de julho de 2004 (cf. doc. 07 – fl. 26) e a Portaria nº 523-MJ foi publicada no Diário Oficial da União em 24 de março de 2010, ou seja, após o quinquênio legal para a administração rever seus próprios atos, previsto no artigo 54 da Lei 9.784/99, o que pode-se concluir pela consumação da decadência administrativa.

6. Mandado de segurança concedido.

(MS 15.330/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Seção, DJe 17/12/2010 – grifos nossos)

Admitindo-se, ainda para argumentar (art. 207 do CC), que o prazo de decadência, previsto no art. 54, pode ser interrompido, ou mesmo suspenso, o que, em princípio, é contra a natureza do instituto, ainda assim, para tanto, seria, como é, imprescindível – sob pena de violação às garantias maiores do devido processo, do contraditório, da ampla defesa, etc. – que o beneficiário do prazo em curso seja, individualmente, cientificado do teor do ato interruptivo ou suspensivo, no curso do referido prazo, como, de resto, prescreve o art. 66, suso, além de ser regra elementar em nosso Direito.

Presume-se, por força do art. 3º da LINDB (antiga LICC), o conhecimento da lei, sendo defeso escusar o seu cumprimento sob alegação de desconhecê-la. Tal presunção, todavia, não se estende a atos administrativos, como aqueles já referidos, praticados, genericamente, nos idos de 2003 e 2006, pelo MJ e AGU, internamente, sem, contudo, dar conhecimento pessoal aos principais interessados na matéria, quais sejam, os beneficiadospelas anistias, ao abrigo da aludida Súmula Administrativa 2002.07.0003-CA.

Do exame dos documentos que instruem a presente ação constata-se que somente a partir da Portaria Interministerial 134/11 foi determinada a oitiva da parte interessada, na medida em que houve a delegação ao Grupo de Trabalho Interministerial – GTI da competência "para deflagração dos procedimentos contraditórios, a expedição de notificação para apresentação de defesa, análise e pronunciamento de mérito após as manifestações dos interessados" (fl. 938e).

Com efeito, antes da referida Portaria 134/11, a própria Comissão de Anistia havia consignado que, como era o próprio mérito do juízo político para o fundamento da anistia que estava sofrendo objeção, não haveria contraditório a opor, pois "Em nada adiantaria o cidadão alegar contrariamente e tentar defender o convencimento de mérito sobre a Portaria nº 1.104-GM3/1964 como ato de exceção por si só ensejadora de concessão de anistia política, pois que esse entendimento já está declarado ilegal pela Advocacia-Geral da União" (fl. 326e).

Destarte, restou consumada a decadência, sendo imperioso que o Judiciário reconheça ao impetrante o direito já definitivamente integrado a seu patrimônio individual, para que tenha a necessária segurança jurídica e paz, a esta altura da vida, quando, ao que consta, já se encontra na terceira idade.

(…)

Por último, gostaria de registrar o recebimento de memoriais formulados pelas partes interessadas. E nesse tópico, consigno que, a meu ver, não assiste razão à douta representação da União quando sustenta, em seus memoriais, a afronta ao art. 8º do ADCT. E assim o faço pela circunstância de que o vício de inconstitucionalidade, por ser de ordem pública, deve ser examinado de ofício pelo julgador.

Não se olvida que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo simples transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99. A propósito: MS 28.279/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, DJe 28/4/10.

No caso concreto, contudo, a questão a ser dirimida pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Interministerial MJ/AGU 134/11 não se vincula a eventual inconstitucionalidade da Súmula Administrativa 2002.07.0003 da Comissão de Anistia.

De fato, o constituinte originário não se preocupou em definir, no art. 8º, caput, do ADCT, o que seria um ato de exceção, institucional ou complementar, de motivação exclusivamente política, tendo sido tal encargo do legislador infraconstitucional, que criou a Lei 10.559/02 (Lei da Anistia).

Nesse contexto, ainda que se admita, para argumentar, suposto equívoco da Comissão de Anistia ao editar a Súmula Administrativa 2002.07.0003, tal se resolve no campo infraconstitucional, à luz da Lei 10.559/09, não havendo falar em "ato inconstitucional", mormente porque eventual afronta à Constituição se daria de forma indireta, o que não desafia exame de (in)constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e, muito menos, por esta Corte.

Nesse sentido, peço vênia para mencionar julgado proferido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no qual foi rechaçada a tese ora defendida pela União ante a constatação de ofensa indireta da norma constitucional apontada, mantendo incólume o acórdão proferido no MS 15.432/DF, de minha relatoria, verbis :

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(RE 656.256-AgR/DF, Rel. Min. CARMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 2/3/2012)

Idêntico entendimento retrata a jurisprudência da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 2º, 5º, XXXV, LIV E LV, E 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. O Tribunal a quo decidiu a questão com base na legislação defeso nesta sede recursal.

2. O desrespeito aos postulados constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da prestação jurisdicional, configura, quando muito, ofensa meramente reflexa ao texto constitucional.

3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 808.719-AgR/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 8/6/11)

Ante o exposto, peço vênia para divergir dos bem fundamentados votos já proferidos e votar pela concessão da segurança, reconhecendo a decadência do direito à revisão da anistia, nos termos do art. 54, caput, da Lei 9.784/99. Custas ex lege. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos da Súmula 105/STJ.”

No caso concreto, verifico que a Portaria individual nº 1.761, que concedeu a anistia ao autor, data de 09/09/2005, e a Portaria nº 3.490, que a anulou, foi editada em 27/10/2010 (fl. 172).

Observa-se, portanto, o transcurso de prazo superior a 5 anos entre um ato e outro, razão pela qual resta evidente a consumação da decadência do direito da Administração rever o ato concessivo da anistia.

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, julgo procedente o pedido para, reconhecendo a decadência do direito à revisão da anistia, nos termos do art. 54, caput, da Lei 9.784/99, anular a Portaria nº 3.490/2010 e restabelecer os efeitos da Portaria Anistiadora nº 1.761/2005, condenando a União a pagar ao autor o benefício ilegalmente suprimido, desde a data do cancelamento da anistia, em 28/10/2010 (data da publicação no DOU), tudo nos termos da fundamentação supra.

A correção monetária dos valores em atraso deve ser aplicada desde a data em que cada parcela se tornou devida (Súmula 19 deste Tribunal), com a utilização dos índices constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal em vigor à época da atualização.

Juros moratórios na taxa de 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação, conforme redação do art. 1º-F da Lei 9.494/97, incluído pela Medida provisória n. 2.180-35, de 2001, vigente à data da propositura da presente ação. Quanto às parcelas vencidas posteriormente à citação, são devidos juros somente a partir da data em que se tornaram devidas, ocasião em que se verificou a mora.

Defiro a antecipação dos efeitos da tutela, para suspender os efeitos da Portaria nº 3.490/2010, determinando à União a retomada do pagamento do benefício devido ao autor em razão da anistia concedida pela Portaria nº 1.761/2005, uma vez demonstrados o direito indicado e o periculum in mora, e, assim, preenchidos os requisitos do art. 273, do CPC.

Condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, atento aos parâmetros do art. 20, §§ 3º e 4º, CPC. Sem custas a reembolsar por estar o autor litigando sob o pálio da assistência judiciária gratuita.

Sentença sujeita ao reexame necessário. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa na Distribuição.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Belo Horizonte, 2 de abril de 2014

MIGUEL ÂNGELO DE ALVARENGA LOPES

Juiz Federal

 

E vamos em frente…

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Postado por Gilvan VANDERLEI
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