Opinião

Pedido de destaque no plenário virtual do STF é deliberação ou veto?

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Devido à pandemia da Covid-19, o Supremo Tribunal Federal optou pelo aumento da utilização do plenário virtual (PV) como uma das medidas de adaptação aos limites impostos pelo distanciamento social. Embora o uso desse espaço virtual não seja recente, visto que surgiu em 2007 para a apreciação de casos de repercussão geral, ele passou por uma expansão gradativa, de modo que, em 2016, começou a julgar agravos internos e embargos de declaração, e, atualmente, possui suas competências equiparadas às do plenário físico. Diante desse cenário, o aumento da relevância do PV no STF torna pertinente a análise de um dos mecanismos que o diferencia do plenário físico: o pedido de destaque.

O pedido de destaque é a solicitação de que o julgamento de um processo seja interrompido, retirado do PV e encaminhado para julgamento no ambiente físico — que durante a pandemia está funcionando de forma eletrônica, por meio de videoconferências. Segundo o artigo 4º da Resolução nº 642/2019, o destaque é realizado por qualquer uma das partes, desde que requerido até 48 horas antes do início da sessão e deferido pelo relator, ou por qualquer ministro do tribunal. Depois de destacado, o relator encaminha o processo ao órgão colegiado competente (turmas ou plenário) para que ele seja julgado presencialmente. Além disso, para que o processo retorne a julgamento, é função do presidente do tribunal colocá-lo na pauta do plenário físico, mas é importante observar que ele não está vinculado a qualquer limite legal quanto a esse prazo. Vale ressaltar também que, após feito o destaque, o julgamento reinicia-se, de forma que os votos anteriormente registrados são, na prática, desconsiderados, tornando necessária uma nova fundamentação por parte dos ministros. Exemplo disso se deu no julgamento das ADIs sobre o aumento das alíquotas previdenciárias (ADI 6.254, 6.255, 6.258, 6.271 e 6.367), quando o ministro Ricardo Lewandowski pediu destaque e "anulou" os votos anteriores dos ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Edson Fachin [1].

Diante desse contexto, dois principais entendimentos podem ser extraídos sobre o uso do pedido de destaque. A princípio, por transferir o processo do espaço virtual para o físico (ou eletrônico), esse mecanismo mostra-se capaz de contribuir para a produção de um julgamento mais deliberativo. Contudo, é possível compreender também que ele pode acabar servindo estrategicamente como uma espécie de poder de veto dos ministros do STF.

No que toca à primeira dimensão do poder de destaque, é preciso reparar como a atual configuração do PV tem sido criticada por individualizar o Supremo [2], uma vez que ela prioriza a celeridade e a simplificação do julgamento, em detrimento da colegialidade e do debate. O PV apresenta-se como um ambiente marcado por decisões de argumentação sucinta, com poucas referências doutrinárias e onde a fundamentação do voto dos ministros (exceto a do relator) não pode ser acompanhada em tempo real e tampouco acessada pelo público [3]. Nesse sentido, o pedido de destaque é capaz de reduzir esses obstáculos em certas circunstâncias, já que a transferência do processo para o plenário presencial possibilita aumentar a troca de argumentos e informações sobre o caso, além de intensificar a atenção e o engajamento dos ministros quanto a ele.

O outro fator a ser observado é a capacidade de utilizar esse poder de maneira estratégica, como uma forma de veto. Diante de um cenário que possa indicar uma possível derrota, qualquer ministro pode pedir destaque para zerar uma votação desfavorável a si e retardar o julgamento, conseguindo mais tempo e espaço de debate para que o posicionamento dos ministros seja configurado a seu favor. Da mesma maneira, o raciocínio contrário também se aplica: um ministro pode deixar de pedir destaque não necessariamente por considerar que o caso não é relevante o suficiente para ir ao ambiente físico, mas porque ele acredita ter mais chance de que sua posição se consagre vencedora no PV, onde não há grande deliberação e atenção pública dada ao tema.

Nesse aspecto, o pedido de destaque se assemelha ao pedido de vista, já que acaba representando um poder de veto de cada ministro diante da agenda do tribunal [4]. Assim como a vista, o destaque é capaz de adiar o julgamento do processo por semanas, meses ou até mesmo anos. Pior do que isso, ao passo que o pedido de vista possui, em tese, uma restrição legal quanto ao seu prazo de devolução, o pedido de destaque nem sequer possui um limite previsto no regimento interno do STF e ainda faz com que os votos feitos anteriormente sejam descartados, mesmo que sua contagem já comece a indicar uma maioria. Em outubro de 2020, por exemplo, Gilmar Mendes pediu destaque durante o julgamento da ADI 6.565/2020, sobre as regras de escolha de reitores em universidades federais, mesmo após outros seis ministros já terem se manifestado e registrado o voto. Embora a inclusão do processo destacado na pauta do plenário físico não fique a critério do ministro que fez o pedido, mas, sim, do presidente do STF, há de se preocupar com a capacidade que esse poder tem para se tornar, assim como o pedido de vista, uma ferramenta estratégica que proporciona a atuação individual de um ministro contra o tribunal.

Atualmente, o Brasil passa por um período em que o PV do STF se mostra mais proeminente e relevante do que nunca. Tendo em vista que esse sistema permite maior celeridade nos julgamentos, há grandes chances de que ele continue se expandindo, mesmo depois da volta das atividades presenciais do tribunal. Sob essa perspectiva, o próprio ministro Toffoli, enquanto no cargo de presidente, esclareceu que o Supremo vem realizando diversos projetos de modernização para que possa se tornar um tribunal "100% digital" [5]. Sendo assim, o pedido de destaque aparece como um poder ainda emergente, mas que pode vir a ser um fator determinante no andamento de julgamentos virtuais, seja para promover a deliberação, seja como ferramenta de veto.


[1] DESTAQUE de Lewandowski leva ADIs da alíquota previdenciária ao plenário físico do STF”. Sintrajufe, Porto Alegre, 29 jun. 2020. <https://www.sintrajufe.org.br/ultimas-noticias-detalhe/17433/destaque-de-lewandowski-leva-adis-da-aliquota-previdenciaria-ao-plenario-fisico-do-stf>. Acesso em: 18 nov. 2020.

[2] MENDES, Conrado Hubner. DE GODOY, Miguel Gualano: Plenário Virtual no Supremo: reforço de um tribunal de solistas. Jota, [S.l.], 26 jun. 2020. Disponível em: <https://www.jota.info/stf/supra/plenario-virtual-no-supremo-reforco-de-um-tribunal-de-solistas-26062019>. Acesso em: 17 nov. 2020.

[3] MEDINA, Damares. A repercussão geral no Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2016.

[4] ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Ministrocracia: O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro. Novos estudos CEBRAP, v. 37, n. 1, São Paulo, 2018, p. 13-32. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002018000100013&script=sci_arttext>. Acesso em: 18 nov. 2020.

[5] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF Digital: nova plataforma integra sistemas e aprimora prestação jurisdicional. Portal STF, Brasília, 31 ago. 2020. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=450698&ori=1>. Acesso em 18 nov. 2020.

 é graduando na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio).

Revista Consultor Jurídico, 11 de março de 2021, 15h14

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM36

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