Conheça nesta postagem quais os principais argumentos utilizados por um dos Membros Conselheiros da Comissão de Anistia para INDEFERIR pedidos de anistia política propostos por ex-Cabos da FAB atingidos pela malsinada Portaria 1.104GM3/64.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

Relatório e Voto

Requerimento: |              |

Requerente : |                                           |​

Conselheiro Relator: Marcos Gerhardt Lindenmayer

 

TURMA. CABO DA FAB. LICENCIAMENTO PELA PORTARIA 1.104/GM3. AUSÊNCIA DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. PELO INDEFERIMENTO DO PEDIDO.

 

Relatório

  1. Trata-se de Requerimento formulado por |                                         |​, devidamente qualificado (Doc. SEI 0210307; pdf 11; fl. 10), no qual pleiteia a declaração de anistiado político; reintegração ao serviço militar; reparação econômica em caráter indenizatório em prestação mensal, permanente e continuada; e demais benefícios, com base na Medida Provisória nº 2.151/2001 (Doc. SEI 0210307; pdf 02; fl. 02).
  2. Afirma que foi incorporado na Força Aérea Brasileira em 10/07/1973 e que foi dispensado involuntariamente por causa da edição da Portaria 1.104/GM-3. Sustenta que o ato foi puramente político e cerceou suas aspirações de continuar no serviço ativo da FAB, onde poderia ter alcançado a graduação de Sub-oficial (Doc. SEI 0210307; pdf 03; fl. 03).
  3. Quanto material probatório, cabe destacar:
  • Certificado de reservista de 1ª categoria: consta que foi incorporado em 10/07/1973 e licenciado em 10/07/1981 como Cabo (Doc. SEI 0210307; pdf 09 -10; fls. 03-03v);
  • Boletim Interno nº 124, de 13 de julho de 81: consta que o anistiando foi licenciado das fileiras da Força Aérea Brasileira de acordo com a Portaria 1.104/GM-3 (Doc. SEI 0210307; pdf 15-16; fls. 12-13).
  1. É o relatório.

 

Fundamentação

  1. Preliminarmente, verifico que o presente requerimento já foi analisado e indeferido em 05/05/2004, conforme registro na lista de andamentos do PCPA, que era o antigo sistema de gestão de processos da Comissão de Anistia. No entanto, tendo em vista que não há nos autos cópia do voto e/ou da ata de julgamento, entendo que este requerimento deve ser julgado novamente em sessão de Turma para que o requerente tenha direito ao contraditório e à ampla defesa.
  2. Quanto ao mérito, insta fazer as seguintes considerações sobre a Portaria 1.104/GM-3.

 

DA PORTARIA Nº 1.104/GM3, DE 12 DE OUTUBRO DE 1964

  1. Em 1964 vigia, no então Ministério da Aeronáutica, a Portaria nº 570/GM3, de 23 de novembro de 1954, que regulava a permanência em serviço ativo dos Sargentos, Cabos, Soldados e Taifeiros do Corpo do Pessoal Subalterno da Aeronáutica.
  2. Nessa Portaria encontramos um dispositivo normativo que facultava à Administração conceder às praças reengajamentos sucessivos, até que fosse completado o tempo de serviço que ensejaria a reserva remunerada, ou seja, a estabilidade. Entretanto, note-se que essas concessões eram uma faculdade da Administração e não sua obrigação, pois havia uma discricionariedade em conceder os reengajamentos. Assim não se tratava de direito adquirido dos graduados, o qual sabemos não existir em termos de regime estatutário, mas uma mera expectativa de direito e, ainda assim, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos no Estatuto dos Militares e Regulamentos.
  3. Especificamente em relação aos Cabos, a Portaria nº 570/54 estabelecia que tais militares poderiam reengajar, além dos nove anos previstos no Decreto-Lei 9.500/46, desde que estivessem inclusos nos serviços referidos nesse Decreto e possuíssem cursos específicos para o exercício das atividades consideradas especiais, e tal permanência ainda se dava na mesma graduação, salvo se tivessem logrado êxito nos concursos das Escolas Militares para a ascensão às graduações superiores, quais sejam, as relativas ao Quadro dos Suboficiais e Sargentos ou as do Quadro de Oficiais.
  4. Em 12 de outubro de 1964, porém, entrou em vigor a Portaria nº 1.104/GM3, revogando a Portaria nº 570/54, com a qual se passou a regular a permanência em serviço ativo dos Sargentos, Cabos, Soldados e Taifeiros do Corpo do Pessoal Subalterno da Aeronáutica.
  5. Tal instrumento normativo, em tese, objetivou normatizar tão-somente a forma de execução administrativa das disposições previstas no Estatuto dos Militares no que tocasse à permanência das praças da Aeronáutica em serviço ativo e é, sem sombra de dúvidas, o que se depreende de sua percuciente leitura. Destacamos, abaixo, a introdução aos dispositivos da referida Portaria:

                As presentes Instruções regulam a permanência em serviço ativo dos Sargentos, Cabos, Soldados e Taifeiros do Corpo do Pessoal Subalterno da Aeronáutica em obediência ao disposto na Lei do Serviço Militar.

  1. O cerne da questão, não obstante, reside na mudança de critério de permanência dos Cabos que, a partir de então, ficaram restritos a engajamento e reengajamentos sucessivos até o máximo de oito anos, após o que seriam licenciados, salvo se estivessem na condição de alunos dos cursos de formação dos quadros de carreira, ou seja, se prestassem e fossem aprovados em concurso.
  2. É importante frisar que somente são militares de carreira os integrantes das Forças Armadas com vitaliciedade ou estabilidade, assegurada ou presumida e, portanto, só os Oficiais têm, a partir de sua posse, a vitaliciedade, ou estabilidade assegurada. As praças (soldados, marinheiros, grumetes, taifeiros, cabos, sargentos, suboficiais), quando da incorporação nas Forças Armadas, encontram-se prestando serviço militar, não lhes sendo assegurada, de pronto, a vitaliciedade ou a estabilidade. Sendo assim, não pode prosperar o fundamento de que as praças ainda não estáveis tiveram a carreira militar cerceada pelos atos exarados pela Força Singular, uma vez que não eram militares de carreira.
  3. Por derradeiro, somente é cabível falar em engajamento e reengajamentos para aqueles que não possuem vitaliciedade, ou estabilidade, assegurada – haja vista que os estáveis não necessitam de prorrogação de sua permanência. O engajamento e o reengajamento, portanto, não são direito líquido e certo das praças, pois dependem de juízo discricionário de conveniência e oportunidade da administração militar e a Portaria nº 1.104/64 em nada alterou essa situação.
  4. Percebe-se que as praças, independente da vigência da Portaria n° 1.104/64, jamais obtiveram o direito à estabilidade, sendo incorporadas às fileiras da Força já sabendo que o seu período de permanência seria determinado, salvo se concluísse com êxito algum curso de formação visando à progressão na carreira.
  5. Como visto, a Lei do Serviço Militar, bem como os regulamentos posteriores a sua edição não asseguravam direito líquido e certo a reengajamentos sucessivos,  pois as prorrogações eram mera possibilidade, “a critério da autoridade competente”, desde que a praça viesse a atender um conjunto de requisitos.
  6. A própria Portaria nº 570/1954, que segundo a entendimentos de alguns teria assegurado o direito a sucessivos reengajamentos até a aquisição de estabilidade, não dispõe nada expressamente que assegure o direito aos cabos de reengajarem sucessivamente até a implementação do tempo de serviço necessário à estabilidade. Pelo contrário, seus dispositivos são idênticos aos contidos na Lei do Serviço Militar (Decreto-Lei nº 9.500/1946).
  7. Com relação aos Cabos, convém lembrar os argumentos apresentados pelo Presidente do Grupo de Trabalho instituído pelo então Ministério da Aeronáutica para analisar o problema vivido à época decorrente do excessivo aumento do número de graduados com idade avançada no Corpo do Pessoal Subalterno, hoje conhecidos como graduados.
  8. Uma das questões preocupantes dizia respeito ao envelhecimento dos Cabos da Aeronáutica que permaneciam nas fileiras até completarem 25 (vinte e cinco) anos de serviço.
  9. Além disso, a jovem Força Aérea aproximava-se dos limites legais impostos pela Lei de Fixação de Efetivos, mormente em relação aos subalternos.
  10. Com a máxima vênia, não se pode consentir que um ato administrativo abstrato e genérico como foi o da Portaria nº 1.104/64, que teve por base tal fundamentação, possa agora ser considerado, pura e simplesmente, um ato de exceção.
  11. Os licenciamentos das praças foram praticadas em consonância com a legislação vigente à época, ou seja, com base na Portaria nº 1.104/GM3/64, Decreto-Lei nº 9.500/1946, Lei nº 4.375/1964, por motivo de conclusão de tempo de serviço (Soldado: 04 anos; Cabo: 08 anos), não haveria indícios suficientes de que eles teriam sofrido atos de perseguição política, uma vez que seu licenciamento demonstra a observância do princípio da legalidade, exigindo-se que a Administração agisse de acordo com os critérios ali estabelecidos.
  12. De qualquer sorte, a Portaria nº 1.104/64, na qual se alega ter sido o ato que motivou os licenciamentos, tratou de estabelecer prazos de permanência no serviço militar e não poderia ser ato de exceção de natureza exclusivamente política. Configura ato administrativo de caráter normativo, destinado a estabelecer critérios e criar mecanismos para engajamento, reengajamentos e licenciamento das praças no âmbito da Força Aérea.
  13. Nesse caso, para que os licenciamentos feitos com fundamento nesse ato normativo, genérico e impessoal, venham a ser considerados como atos de exceção de natureza exclusivamente política, é indispensável investigar se os seus pressupostos, de fato, são coincidentes com a previsão da legislação que rege as regras de anistia política. O que deve ser investigado são os motivos determinantes da prática dos atos, uma vez que os atos concretos de licenciamento das praças são mera formalização da vontade da Administração de afastá-los do serviço ativo, até porque não gozavam de estabilidade.
  14. Portanto, torna-se difícil aceitar o argumento de que a Portaria nº 1.104/1964 haveria atingido os cabos em seus direitos, se, como visto, a prorrogação do serviço militar era apenas possibilidade.
  15. Afinal, o mero fato de a Portaria nº 1.104 do Ministro da Aeronáutica ter sido indicada como fundamento legal nos atos de licenciamento de militares dos quadros da Força Aérea Brasileira não prova que se trata de ato de exceção, nem que sua motivação seja política.
  16. Há que se frisar pontos importantes destacados na Nota nº AGU/JD-1/2006, de 07 de fevereiro de 2006, a qual considera a Portaria nº 1.104/64 como ato genérico, abstrato e impessoal. Senão vejamos:

A sintonia fina relativa ao engajamento, aos reengajamentos e ao licenciamento das Praças da Força Aérea Brasileira consta da Portaria nº 1.104-GMS, que não apresenta discrepância em relação ao Decreto nº 57.654, de 1966, posteriormente editado, sendo certo que ambos os normativos estavam em consonância com a Lei nº 4.375, de 1964.

Analisadas do ponto de vista jurídico, as normas regulavam hipóteses de engajamento, de reengajamento e de licenciamento das Praças da Força Aérea Brasileira, não apresentam nenhum vício, seja de forma, seja de conteúdo.

Pode-se afirmar com segurança que, da análise da constitucionalidade, da legalidade e da conformidade das normas aplicáveis à espécie, não se extrai o entendimento de que os licenciamentos dos ex-cabos da Força Aérea Brasileira configurariam atos de exceção de natureza exclusivamente política.

Apenas para lembrar, a NOTA Nº AGU/JD-10/2003, em nenhum momento, considerou a Portaria em questão como sendo ato de exceção, seja de natureza exclusivamente política, seja de qualquer outra natureza. Até porque ela própria não configura exceção à regra. Ao contrário, estabelece a regra geral, ela mesma.

  1. Contudo, simplesmente considerar que houve motivação exclusivamente política no licenciamento por conclusão de tempo de serviço, apenas por haver o militar ingressado na Força anteriormente à edição da Portaria 1.104/64, poderia implicar no reconhecimento da condição de anistiado a milhares de ex-militares, talvez até a maioria que nunca se engajaram ideologicamente nem sofreram qualquer tipo de punição ou perseguição política. Provavelmente, significaria, ainda, a concessão do benefício àqueles que serviram com fidelidade ao regime de exceção.
  2. Ainda que a Portaria nº 1.104/64 tivesse sido fundamento do seu licenciamento a pedido, ressalte-se a decisão judicial de lavra do Exmo. Dr. Dario Ribeiro Machado Junior, Juiz de Direito da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, proferida nos autos da Ação Ordinária nº 2005.5101.010727-3, proposta por Levi Inácio de Rezende, a qual assim dispõe:

 A Portaria 1.104/GM3 é ato de exceção de natureza política, conforme reconhecido pelo Ministério da Justiça.

Não obstante, esse reconhecimento não é suficiente para que o Autor seja beneficiado pela anistia, uma vez que, diante do caráter geral da Portaria 1.104, não basta que o licenciamento seja nela fundado para que se conclua pela sua natureza política.

De fato, ainda que aquele ato normativo tenha instituído um regime mais restritivo de reengajamento, tal não é suficiente para que se entenda que todo e qualquer licenciamento promovido na sua vigência tenha sido consequência do momento político vivenciado à época. (grifo nosso).

Corroborando o entendimento supracitado, extrai-se parte do julgado proferido pelo Juiz Federal da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, Dr. Elio Wanderley de S. Filho, nos autos da Ação Ordinária nº 2005.83.00.008659-7, proposta por Roberto Di Sena:

(…) Ao meu sentir, o fato de seus desligamentos terem sido fundamentados, em parte, na Portaria nº 1.104, de 12/10/1964, do Ministério da Aeronáutica, que foi considerada ato de exceção, não tem o condão, per se, de revelar a natureza exclusivamente política do ato, máxime porque os licenciamentos se deram no ano de 1973, quase uma década depois da expedição do referido diploma legal, quando os “anos de chumbo” já estavam se arrefecendo.

  1. No mesmo sentido, segundo publicação da Assessoria de Comunicação Social da AGU, datada de 19/09/2005, a Advocacia-Geral da União no Mato Grosso do Sul obteve êxito em decisão proferida pela 4ª Vara Federal de Campo Grande, uma vez que o juiz Gilberto Mendes Sobrinho concordou com os argumentos da AGU de que o processo está prescrito, porque os autores, ex-militares, “foram licenciados da FAB depois que cumpriram o serviço militar obrigatório em 1964. O prazo para cobrar dívidas da União prescreve em cinco anos e já se passaram mais de 40. Outro argumento acatado pelo juiz é de que o Ministério da Aeronáutica cumpriu sua função administrativa, determinada pela Lei 4.375/64, que delegou aos Ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica a fixação dos prazos e condições de engajamento e reengajamento e das normas para o licenciamento dos praças. (…) O juiz também disse na decisão que a Portaria 1.104-GMS/64, que licenciou os militares, não tem qualquer motivação política como alegam os autores, pois foi dirigida a todas as praças da Força Aérea Brasileira indistintamente. Ele ainda observou que o militar temporário não goza de estabilidade nas Forças Armadas, e a sua permanência no serviço militar depende da conveniência da Administração.” (grifo nosso)
  2. Por tudo que foi apresentado, conclui-se que a Portaria nº 1.6104, de 1964, foi um ato do Ministro Aeronáutica, utilizando-se o seu poder discricionário e com repercussão geral, atingindo indistintamente todos os praças que possuíssem menos de oito anos de serviço. A referida portaria não era ato de exceção. A anistia deve ser concedida quando ficar materializada a perseguição exclusivamente política.
  3. Por intermédio do Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União – TC nº 011.627/2006-4, de 31 de outubro de 2006, onde fora verificado a regularidade das indenizações concedidas pelo Ministério da Justiça aos anistiados políticos de que trata o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, nos exercício de 2001 a 2006, assim concluiu sobre o problema Cabos da FAB:           

152. Portanto, face à conclusão da AGU de que a Portaria nº 1.104, de 1964, não pode ser considerada, genericamente, como um ato de exceção, e às demais considerações do presente relatório, entendemos que a concessão de anistia aos ex-cabos da FAB, apenas por terem sido licenciados em virtude da limitação de tempo de serviço introduzida pela Portaria nº 1.104, de 1964, está em desacordo com o art. 2ºcaput, da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002.

153. A ocorrência da motivação exclusivamente política no desligamento do militar deve ser verificada caso a caso, observados os elementos de prova, como por exemplo, os registros na folha de alterações do Requerente que antecederam seu desligamento.

157. Os pedidos de anistia referentes aos ex-cabos, licenciados ex-officio, abrangidos pela Portaria nº 1.104, de 1964, foram julgados em bloco, com relatórios e votos condutores padronizados.

 

8. INFORMAÇÃO Nº 837/2012/CGJ/CGJUDI/CONJUR/MJ

PROCESSO Nº 00410.020460/201-09

AÇÃO ORDINÁRIA Nº 0035286-39.2012.4.01.3400

INTERESSADO: PAULO ROBERTO DE CARVALHO GOMES

ASSUNTO: Anulação da Portaria MJ nº 943, de 29.01.2004, que concedeu anistia ao autor, pela portaria MJ nº 943, de 28.05.2012, publicada no DOU de 29.05.2012.

1. A Procuradoria da União na 1ª Região solicita a esta Consultoria Jurídica subsídios para a defesa da União nos autos da Ação Ordinária nº 003528639.2012.4.01.3400, ajuizada por PAULO ROBERTO DE CARVALHO GOMES.

2. Pretende o autor, com a referida ação judicial, obter a anulação da portaria do Ministro da Justiça nº 943, de 28.05.2012, publicada no DOU de 29.05.2012, que anulou a Portaria MJ nº 943, de 29.01.2004, por meio da qual fora declarado anistiado político, com as consequentes reparações econômicas, com fundamento da Portaria nº 1.104-GM3, de 1964, da Força Aérea Brasileira.

3. Alegações do demandante:

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DA CONCESSÃO DAS ANISTIAS COM FULCRO NA PORTARIA Nº 1.104 GM3, DE 1964

6. Preliminarmente, cumpre realizar um breve histórico sobre a concessão das anistias aos ex-cabos da Força Aérea Brasileira, com fulcro na Portaria nº 1.104-GM3, de 1964.

7. Os primeiros requerimentos analisados no âmbito do Ministério da Justiça, relativos ao reconhecimento da condição de anistiado, foram deferidos com fundamento na Súmula Administrativa nº 2002.07.0003 da Comissão de Anistia que declarava: "A Portaria nº 1.104-G12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política".

8. A matéria foi submetida à apreciação da Advocacia-Geral da União que, através da Nota nº AGU/JD-10/2003, advertiu que a Portaria nº 1.104-GM3, de 1964, por si só, não configura ato de exceção, especialmente para os que ingressarem na FAB após a sua edição, pois a ela se submetem originariamente, de forma genérica e impessoal, tratando-se de ato administrativo pré-existente, destinado a regulamentar a permanência no Serviço Militar, não podendo ser considerada ato de exceção.

9. Dessa forma, o Ministério da Justiça fixou entendimento no sentido de que a Portaria nº 1.104-GM3, de 1964, só poderia ser considerada ato de exceção de cunho exclusivamente político para os militares que ingressaram na Aeronáutica antes da referida portaria.

10. Destarte, o Ministro da Justiça instaurou vários processos de revisão de anistias concedidas a Cabos que ingressaram na FAB em data posterior a 12 de outubro de 1964, e foram licenciados com fundamento na Portaria nº 1.104-GM3, de 1964. (Foi editada a Portaria nº 594, de 12 de fevereiro de 2004, que instaurou o processo de anulação de 495 portaria de Cabos que adentraram na FAB após a edição da Portaria nº 1.104, de 1964).

11. Ressalta-se que a questão foi submetida ao Poder Judiciário, que pacificou jurisprudência no sentido de que a Portaria nº 1.104-GM3, de 1964, não poderia ser considerada ato de exceção para os Cabos que ingressaram na FAB após a sua edição.

12. Novamente, a Consultoria-Geral da União, ao se manifestar sobre o tema, através da Nota AGU/JD/1-2006, advertiu que houve uma interpretação equivocada da NOTA N. AGU/JD-10/2003, na medida em que se fixou o entendimento de que a Portaria n. 1.104/64 não poderia ser considerada ato de exceção para os Praças que ingressaram na FAB após a sua edição, a contrário senso, configuraria ato de exceção para os que ingressaram antes da sua edição.

13. Alerta a AGU para o fato de que o simples marco temporal, consistente na data de ingresso na FAB, isoladamente considerado, não pode ser elemento suficiente para a caracterização de ato de exceção de natureza exclusivamente política.

14. Ao final, a Nota AGU/JD/1-2006 sugere a reavaliação das anistias unicamente com base no critério temporal, ou seja, data de ingresso na FAB, alertando para o fato de ser obrigatória a observância dos princípios da legalidade e moralidade, sob pena de violação dos deveres dos agentes públicos, sujeito às penalidades previstas na Lei n. 8.112/90 e na Lei de Improbidade Administrativa.

15. Após, o Ministério da Defesa solicitou à AGU que a NOTA AGU/JD/1-2006 fosse submetida à aprovação do Presidente da República para que passasse a ter caráter vinculante e fosse de observância obrigatória, inclusive para a Comissão de Anistia.

16. Em resposta, a AGU elaborou a NOTA DECOR/CGU/AGU N. 296/2009-PGO, que entendeu não ser imprescindível a submissão da Nota AGU/JD/1-2006 a Presidente da República, parra a obtenção da finalidade pretendida.

17. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, por sua vez, entendeu não ser necessária a revisão das anistias concedidas aos Praças que foram licenciados com base na Portaria n.1.104/64, e que ingressaram na FAB antes da sua edição.

18. Diante da enorme controvérsia jurídica que se instalou em torno do mérito da questão, a Consultoria-Geral, por meio do Parecer n. 106/2010/DECOR/CGU/AGU, determinou que fossem revistas todas as anistias concedidas com fundamento único na Portaria n. 1.104, de 1964, inclusive as dos Praças que ingressaram na FAB em data anterior à sua edição.

19. Nesse contexto, foi editada a Portaria Interministerial n. 134, de 2011, da lavra do ministro do Estado da Justiça e do Advogado-Geral da União, que determinou a revisão das portarias em que foi reconhecida a condição de anistiado político e concedidas as consequentes reparações econômicas, com fulcro em afastamentos motivados pela Portaria n. 1.104-GM3/1964 da Força Aérea Brasileira.

  1. Para todos os efeitos, é necessário identificarmos o cenário atual em que a temática de Cabos da FAB se insere.
  2. A Comissão de Anistia, ainda com a antiga conformação, no ano de 2002, editou a Súmula Administrativa nº 2002.07.0003 – CA, entendendo que a Portaria nº 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política.
  3. A Comissão de Anistia foi questionada a respeito desse entendimento pela AGU por meio de vários documentos, em especial o Parecer nº 106/2010/DECOR/CGU/AGU, s/ data, com Despacho do Consultor-Geral da União nº 2.248/2010, de 15 de dezembro de 2010, que corroborou o entendimento da NOTA AGU/JD/1-2006, também em anexo.
  4. O Parecer nº 106/2010/DECOR/CGU/AGU se debruçou sobre duas questões, a saber: a) se os pareceres da AGU se enquadrariam no art. 54, § 2º, da Lei nº 9.784/99 e, desse modo, seriam considerados base para a revisão dos atos administrativos dentro do prazo decadencial pela Administração Pública; e b) se a revisão desses atos não seria violação do princípio da segurança jurídica e do atendimento do fim público a que se dirige. Segundo o Parecer nº 106/2010:

Fica claro, portanto, que o entendimento vigente no âmbito dessa AGU é no sentido de que os pareceres jurídicos de suas consultivas devem, para fins de obstar a decadência, ser considerados como “exercício do direito de anular”, conforme previsto no art. 54, § 2º, da Lei nº 9.784/99. (…) (Parecer nº 106/2010/DECOR/CGU/AGU: 6).

  1. E, nesse sentido, conclui:

Ante o exposto, no que diz respeito aos pontos abordados no presente parecer, entendo possível, em tese, a revisão, dos atos de concessão de anistia decorrentes de decisão genérica baseada na Súmula Administrativa nº 2002.07.0003, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, tendo em vista que a) a NOTA AGU/JD/1-2006, nos termos do art. 54, §2º, da Lei 9.784/99, deve ser considerada como "exercício do direito de anular", obstando, portanto a decadência do direito de revisão; e b) a Administração Pública tem o dever de anular seus atos ilegais, não sendo aplicável à espécie o inciso XIII, do parágrafo único, do art. 2º, da Lei 9.784/99. (Idem: 16).

  1. Após estes questionamentos sobre o tema, a Comissão de Anistia se manifestou corroborando o entendimento contido na Súmula Administrativa acima referida no Parecer Final, de 09 de fevereiro de 2011, encaminhado ao Excelentíssimo Ministro da Justiça apresentando os fundamentos que justificaram a edição da dessa Súmula. Conforme o Parecer Final (em anexo):

172. Para a Comissão de Anistia e o Ministério da Justiça, a verdade histórica é a de que a Portaria n.º 1.104-GM3/1964 teve o propósito de renovar a corporação como estratégia militar, evitando-se preventivamente que a mobilização de praças e cabos eclodisse em movimentos considerados subversivos, pois havia descontentamento dentro da corporação da FAB com os acontecimentos políticos do país, em conformidade, inclusive, com exposto no item 130 do Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União, TC nº 011.627/2006-4:

"É inegável, contudo, que aos problemas operacionais relatados somava-se uma preocupação de motivação política. Conforme consta do mencionado estudo que acompanha o Ofício Reservado nº 04/64, o ‘problema dos cabos’ favorecia a adesão dessa categoria às agitações de caráter político (…)”.

173. Isto está escrito de forma literal, explícita, clara e objetiva no referido documento, não sendo necessária qualquer hermenêutica mais sofisticada para a extração do sentido próprio. (Parecer Final da Comissão de Anistia, 2011: 62).

  1. Em 15/02/2011 foi pulicada no DOU a Portaria Interministerial nº 134, que instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial com o objetivo de revisar as anistias concedidas a Cabos da FAB, que tiveram como único fundamento a conclusão de tempo de servido da Portaria nº 1104/64.
  2. Atualmente, o referido Grupo de Trabalho está com suas atividades suspensas, pelas razões contidas no DESPACHO Nº 174/2014/SFT/CGU/AGU, de 6 de agosto de 2014 (em anexo), uma vez que se encontra pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal um recurso extraordinário envolvendo a referida temática. Conforme esse Despacho:

6. Dessa forma, como até o presente momento o STF ainda não decidiu favoravelmente à tese sustentada pela União, no caso em tela, entendo, s.m.j., que o posicionamento da CONJUR/MJ está correto, ou seja, de que não há justificativa suficiente para criar um novo Grupo de Trabalho para revisar as anistias até que o citado Egrégio Tribunal julgue em definitivo a matéria discutida nestes autos. (Despacho nº 174/2014/STF/CGU/AGU, 2014: 2).

  1. Finalmente, corroboro o entendimento de que anistia política deve ser concedida a quem sofreu perseguição exclusivamente política, devendo ser verificada, caso a caso, a materialização da perseguição exclusivamente política, conforme expressa disposição legal, adstrita às hipóteses citadas na Lei nº 10.559/02, sob pena de conferir-se à concessão de anistia a pessoa que não foi perseguida política.
  2. No caso do Requerente não ficou materializada a perseguição exclusivamente política do Estado na sua vida militar. O Requerente teve uma vida militar normal. As suas Folhas de Alterações Militares não apresentaram qualquer indicação de perseguição política. O militar foi única e exclusivamente LICENCIADO da Força Aérea Brasileira por término de tempo de serviço regulamentado pela Portaria nº 1.104/64.

 

Conclusão

  1. Ante o exposto, opino pelo INDEFERIMENTO do pedido formulado por |                                              |​.
  2. É como voto.

Brasília, 20 de março de 2018.

Marcos Gerhardt Lindenmayer

Conselheiro Relator 

 

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
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