HÉLIO SÍLVIO OURÉM CAMPOS – JUIZ FEDERAL DA 6ª VARA/PE
DECIDE FAVORAVELMENTE TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE 0811497-30.2020.4.05.8300T

TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE

 

 

0811497-30.2020.4.05.8300T

 

 
REQUERENTE SEVERINO DOS RAMOS CORIOLANO DA SILVA
REQUERIDO UNIÃO FEDERAL – UNIÃO.
6ª VARA FEDERAL

– DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO|Atos Administrativos|Abuso de Poder|

 

PROCESSO Nº 0811497-30.2020.4.05.8300T

AUTOR: SEVERINO DOS RAMOS CORIOLANO DA SILVA

RÉU: UNIÃO FEDERAL – UNIÃO

SENTENÇA

VISTOS ETC

1. Trata-se de TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR ANTECEDENTE, ajuizada por SEVERINO DOS RAMOS CORIOLANO DA SILVA em desfavor da UNIÃO.

2. Sustenta na inicial, em resumo, que: a) o Autor teve a sua condição de anistiado político reconhecida após detida e minuciosa análise das condições exigidas pela orientação administrativa sumulada, estabilizada e vigente do ano de 2002 ao ano de 2019, resultando no julgamento da Terceira Câmara da Comissão de Anistia na sessão pública realizada no dia 09/09/2002, gerando a Portaria nº. 1.690 de 02/12/2002, assinada pelo ilustre Ministro de Estado da Justiça Paulo de Tarso Ramos Ribeiro; b) após longos dezoito anos de vida exercendo legitimamente, e de maneira ininterrupta, tal condição de anistiado político conferida pelo próprio Estado brasileiro – por ato que também goza de presunção de legitimidade -, a atual administração inicia pretenso processo administrativo de revisão unicamente com base na possibilidade franqueada pelo STF no julgamento do RE 817338 (mas sem as garantias processuais determinadas no leading case), que resultou na tese do tema 839 da repercussão geral, ainda pendente de publicação, de embargos de declaração com efeitos infringentes e da necessária modulação de efeitos; c) o processo administrativo que resultou na Portaria nº 1.441 de 05/06/2020 é nulo, pois violou todas as garantias processuais vigentes no nosso Estado Democrático de Direito, instrumentalizadas na Lei nº. 9.784/1999 e enraizadas na Constituição Federal, e assim, afrontou diretamente a própria tese do tema 839 do STF; d) a administração violou o evidente direito de o administrado produzir provas; o evidente direito de o administrado apresentar alegações finais; o evidente direito de o administrado ser intimado antecipadamente de decisão que suprima os seus bens; e ainda o direito básico, civilizatório, de o administrado ser tratado com respeito e dignidade pelas autoridades públicas, ainda mais em se tratando de um cidadão idoso de 76 anos de idade, fragilizado, adoecido e em estado de choque com tamanha brutalidade administrativa; e) dessa maneira, o pretenso processo administrativo que de una Portaria anulatória de anistia política nº. 1.441 de 05/06/2020, a um só tempo, desprezou os marcos civilizatórios da Lei nº. 9.784/1999 e também, e por isso mesmo, infringiu a tese do tema 839 do STF sobre o qual pretende se apoiar.

3. Requereu a concessão de liminar que determinasse o restabelecimento imediato do pagamento da reparação mensal, permanente e continuada, bem como da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica em favor do Autor e das suas duas dependentes.

4. Inicial instruída com documentos e procuração.

5. A União apresentou Contestação. Inicialmente, impugnou a concessão dos benefícios da justiça gratuita. No mérito, alegou, em síntese, que: a) resta claro que os cabos licenciados em razão exclusivamente do implemento do tempo legal de serviço militar, nos termos da Portaria nº 1.104 – GM3/64, "não foram vítimas de punição, demissão, afastamento de suas atividades profissionais por atos de motivação política". Esse entendimento vale para os cabos que ingressaram na Força Aérea antes e após a edição do referido ato normativo, sem distinção. Isto porque, em qualquer caso, a Portaria per senão pode ser considerada ato de exceção por motivação exclusivamente política, independentemente da data de ingresso na FAB; b) A Administração iniciou os procedimentos de praxe, determinando a revisão das Portarias concessivas que alcançaram os ex-cabos da Força Aérea Brasileira dispensados da caserna com base na Portaria nº 1.104/64 e, para tanto, procedeu à intimação de cada um dos interessados para que apresentasse defesa, eis que o que se pretende averiguar, conforme o texto da Portaria nº 3.076/2019, é se houve o cumprimento dos requisitos legais e constitucionais na concessão das anistias; b) devidamente notificado através da Notificação nº 735/2020/DGTI/CCP/CGP/CA, o anistiado SEVERINO DOS RAMOS CORIOLANO DA SILVA apresentou defesa através de advogado regularmente constituído; c) em sua síntese, alegou que ingressou na Força Aérea Brasileira na vigência da Portaria nº 570/GM3/54 e em 12 de outubro de 1964 entrou em vigência a Portaria nº1.104/64, alterando o regime jurídico até então vigente. Aduz que em razão do pacífico entendimento da Comissão de Anistia, que considerava a tal Portaria, por si só um ato de perseguição política, foi anistiado; d) na instrução do processo original, o requerente limitou-se a juntar documentos referentes à sua carreira e não se observou qualquer prova apta a demonstrar que tenha participado de movimentos revolucionários, ou seja, não comprovou que tenha sofrido, particularmente, perseguição política. Aliás, nem no pedido original, tampouco neste momento, o anistiado trouxe aos autos PROVA INEQUÍVOCA DE QUE TENHA SOFRIDO PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. Seu único argumento resume-se à suposta perseguição política contida na Portaria nº 1.104/64, que não ocorreu, pois repito, a prorrogação do tempo de serviço nunca foi um direito dos militares, mas uma faculdade da FAB e das demais Forças; e) reessalte-se que jamais houve qualquer instrumento normativo que retirasse da Administração a discricionariedade quando da decisão de conceder, ou não, os reengajamentos. Aliás, um dos grandes equívocos interpretativos que os anistiados fazer sobe o tema é sustentar o entendimento de que a negativa de reengajamento ou o licenciamento quando completo o tempo previsto, era um ato de perseguição política e que um direito adquirido fora violado; f) nos autos originais onde tramitou o pedido de anistia ora discutido, não foi encontrado um documento sequer que ateste ou comprove que o anistiado tenha sofrido perseguição política. Apenas o relator construiu uma tese de que a Portaria 1.104/64 era um ato de exceção, ignorando todo o panorama da carreira das praças da Força Aérea Brasileira. 2.25. É bom que se diga que a construção da argumentação que sedimenta a tese exposada na Súmula Administrativa da Comissão de Anistia nº 2002.07.0003, de 16 de julho de 2012 não estava amparada por elementos reais que comprovariam a perseguição política individualizada ao ex-Cabo SEVERINO DOS RAMOSCORIOLANO DA SILVA, mas – apenas – uma construção narrativa de que a Portaria nº 1.104/64 era, per si, um ato de perseguição política generalizada. Vejamos o seu inteiro teor: A Portaria nº 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política; g) com efeito, o requerente jamais comprovou qualquer participação em movimentos políticos, o que é condição indispensável e antecedente a uma alegada perseguição política que sofrera. Soma-se a isso, a já comentada ausência de elementos fáticos aferidos pela própria Comissão de Anistia que concedeu o benefício ora combatido, ou seja, o colegiado apenas limitou-se a construir uma teoria, sem qualquer base empírica, de que ocorreu perseguição política generalizada a todos os cabos da FAB à época, sem levar em conta, que o ato de perseguição política é pessoal; h) com relação à suspensão do plano de saúde do autor, essa é uma consequência da anulação da sua anistia, visto que, perdendo a condição de anistiado, perde-se automaticamente a condição de beneficiário do Sistema de Saúde da Aeronáutica, conferido pelo art. 14 da Lei n.º 10.559, de 13 de novembro de 2002. Ao final, requereu a improcedência da ação (4058300.15246774).

6. A parte Autora apresentou Réplica a Contestação, afastando a preliminar bem como reiterando os termos da inicial (4058300.15327444).

7. Os Autos vieram conclusos para julgamento.

É O RELATÓRIO.

8. Cinge-se a demanda na concessão de provimento judicial que declare a nulidade do processo administrativo, que resultou na Portaria nº 1.441 de 05/06/2020, com o restabelecimento de todos os efeitos da Portaria de Anistia nº. 1.690 de 02/12/2002, quais sejam, do pagamento da reparação mensal, permanente e continuada, bem como da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica em favor do Autor e das suas duas dependentes.

9. Inicialmente, passo a análise da impugnação aos benefícios da Justiça Gratuita.

10. Sobre o assunto, tenho que, de acordo com a jurisprudência sedimentada no STJ, o Poder Judiciário não pode estabelecer limites objetivos para conceder ou indeferir os benefícios da Justiça Gratuita. A título ilustrativo, colaciono a jurisprudência abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JUSTIÇA GRATUITA. BENEFÍCIO AFASTADO NA ORIGEM. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ. CRITÉRIO OBJETIVO DE RENDA INFERIOR A 10 SALÁRIOS MÍNIMOS. REJEIÇÃO. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CASO CONCRETO.

1. Rever o acórdão recorrido, que desacolhe fundamentadamente o pedido de gratuidade de justiça, demanda o reexame do conjunto fático-probatório, providência inviável em sede especial.

2. Esta Corte Superior já refutou a utilização do critério objetivo de renda inferior a dez salários mínimos, pois "a desconstituição da presunção estabelecida pela lei de gratuidade de justiça exige perquirir, in concreto, a atual situação financeira do requerente" (REsp n° 1.196.941/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 23/3/2011).

3. Agravo regimental não provido". (AgRg no AREsp626.487/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 07/05/2015) (grifei)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. PROCESSO CIVIL. GRATUIDADEDA JUSTIÇA. RENDIMENTO INFERIOR A DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS.CRITÉRIO NÃO PREVISTO EM LEI. DECISÃO QUE SE MANTÉM PORSEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. Na linha da orientação jurisprudencial desta Corte, a decisão sobre a concessão da assistência judiciária gratuita amparada em critérios distintos daqueles expressamente previstos na legislação de regência, tal como ocorreu no caso (remuneração líquida inferior a dez salários mínimos), importa em violação aos dispositivos da Lei nº 1.060/1950, que determinam a avaliação concreta sobre a situação econômica da parte interessada com o objetivo de verificar a sua real possibilidade de arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento". (AgRgno REsp 1437201/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/05/2014, DJe 19/05/2014). (grifei)

11. Esclareço que, apesar da revogação das disposições da Lei nº 1.060/50 pelo novo código de processo civil, em principio, não houve alteração do entendimento. Observe-se o art. 99, §§ 2º e 3º do NCPC. "Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, não suspenderá seu curso. § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural."

12. Dito isto, não acolho a impugnação da concessão aos benefícios da justiça gratuita alegada pela União.

13. No mérito, entendo que assiste razão ao Autor. Explicito.

14. De acordo com os documentos anexados aos Autos, restou comprovado que a edição da Portaria anulatória nº 1.441 de 05/06/2020, (doc.4058300.15169143), não observou os tramites previsto no devido processo legal.

15. Isto porque, o Autor foi privado de apresentar novas provas, inclusive de arrolar testemunhas, violando o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, e ato contínuo, o princípio do devido processo legal.

16. Aparentemente, as arbitrariedades foram cometidas sob o argumento de que o STF, ao julgar o tema repetitivo 839, em 16.10.2019, consolidou que: "no exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política".

17. Entretanto, a dita revisão não pode contrariar princípios constitucionais, de forma que deve ser realizada caso a caso, observado o devido processo legal e as demais garantias constitucionais inerentes ao processo administrativo. Administração ao tomar decisões genéricas como essas, dar a falsa impressão de que é possível tratar de casos particulares em conjunto, por meio de um simples ponto em comum.

18. Outra característica incomum ao caso, é a ausência de sessões de julgamento do colegiado da Comissão de Anistia com relação aos casos em questão, como também a lacuna dos fundamentos que levaram os conselheiros do Conselho da Comissão a decidir como decidiram. A ausência disso é uma patente inobservância dos arts. 20, § 2º, e 27 do Regimento Interno.

19. Dito isto, considerando tudo que foi exposto anteriormente, entendo que, da norma contida no artigo 273 do CPC, colhem-se os pressupostos de concessão da tutela antecipada, de preenchimento concomitante, quais sejam, a prova inequívoca da verossimilhança das alegações e o fundado receio dano irreparável ou de difícil reparação ou a existência de abuso do direito de defesa do réu.

20. Somado a isto, a tutela antecipatória deve submeter a parte interessada às exigências da prova inequívoca do alegado na inicial, com intensidade suficiente para convencer o Juiz de que as alegações são verossímeis.

21. Isto é, que tem a aparência de verdadeiras, urge que a providência antecipatória não produza efeitos irreversíveis, ou seja, resultados de ordem que torne impossível a devolução da situação ao estado anterior (art. 273, parágrafo 2º do CPC). É preciso, portanto, que o quadro fático alterado pela tutela possa ser recomposto.

22. Somente à vista destes requisitos é que se permite a concessão da tutela antecipada.

23. In casu, primeiramente, considero presente o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, haja vista a característica de verba alimentar que reveste a importância recebida pelo Autor e que foi retirada de maneira abrupta, sem justificativa plausível, em meio a momento histórico e delicado que estamos vivenciando.

24. Somado a isto, verifico que as provas apresentadas pelo Autor demonstram a verossimilhança dos fatos articulados na petição inicial e, por isso mesmo, torna-se viável, a concessão da tutela antecipada.

ISTO POSTO, DECIDO:

25. JULGO PROCEDENTE o pedido, extinguindo a Ação com a resolução do mérito (CPC, art. 487, I), eis que reconheço a nulidade do processo administrativo que resultou na Portaria nº 1.441 de 05/06/2020, com o restabelecimento de todos os efeitos da Portaria de Anistia nº. 1.690 de 02/12/2002, ato contínuo, defiro a antecipação dos efeitos da tutela, deforma que, determino o imediato pagamento da reparação mensal, permanente e continuada referente aos meses de julho e agosto, bem como o restabelecimento da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica em favor do Autor e das suas duas dependentes.

26. Defiro os benefícios da justiça gratuita.

27. Sobre aos valores atrasados, incidirão correção monetária pelo IPCA-E.

28. Condeno a ré em honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC.P.R.I.

Recife, 03 de agosto de 2020.

 

HÉLIO SÍLVIO OURÉM CAMPOS
Juiz Federal da 6ª Vara/PE.

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Processo nº 0811497-30.2020.4.05.8300T – SENTENÇA FAVORÁVEL

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
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