AmicusCuriae-Amfabra-aumna-ampla-acimar

De: ojsilvafilho [mailto:ojsilvafilho@gmail.com]
Enviada em: quarta-feira, 17 de agosto de 2016 11:59
Para: (…); ASANE <asane@asane.org.br>;
Assunto: AMAFABRA e outras – Amice Curiae Petição nª 44834 de 14/08/2016

 

Senhores Anistiados e Anistiandos,

Temos mais um pedido do Amicus Curiae encabeçado peça Associação AMAFRABRA (SP), trazendo junto as Associações UMNA (RJ), AMPLA (RS), e ACIMAR (SP).

Lá no Portal do STF (ver peças eletrônicas) está o roteiro completo da Petição para melhor leitura, que em síntese é o que se trem abaixo.

Oxalá venham a somar à defesa do RE 817338/DF.

Abcs, SF

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 amicus curiae

EXCELENTÍSSIMO SR. MINISTRO DIAS TOFFOLI, D. RELATOR DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 817.338/DF NO EG. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

 

AMAFABRA – Associação de Militares Anistiados e Anistiandos das Forças Armadas do Brasil, entidade regularmente inscrita no CNPJ sob o nº 10.659.538/0001-66, com sede na Rua 24 de Maio, 188 – 2ª Sobreloja – Sala 201 – República – São Paulo – SP, representada neste ato pelo seu Presidente, Luiz Cachoeira da Silva, brasileiro, casado, militar reformado, portador da cédula de identidade RG nº 189.837 P/R Comando da Marinha e do CPF nº 233.405.928-53, residente e domiciliado na Rua Mário Wilches, nº 244, Jardim Fernandes, São Paulo/SP (DOC. 1 – procuração e atos constitutivos);

UMNA – Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia, entidade associativa, pessoa jurídica de direito privado inscrita no CNPJ sob nº 28.252.658/0001-00, com sede na Avenida Treze de Maio, nº 13, sala 1318, Centro, Rio de Janeiro – RJ, representada neste ato pelo seu Presidente, Wanderlei Rodrigues da Silva, brasileiro, casado, militar reformado, portador da cédula de identidade MB nº191269 e do CPF nº 098.725.317-49, residente e domiciliado à Rua D, nº 04, casa 04, Vila Maria Helena, Duque de Caxias/ RJ (DOC. 2 – procuração e atos constitutivos);

AMPLA – Associação de Defesa dos Direitos e Pró-Anistia ‘AMPLA’ dos Atingidos por Atos Institucionais, entidade registrada no Cartório de Registro Especial em 01.07.1981, sob o nº 3809, com sede localizada na Rua Paissandu, 187, Parthenon, Porto Alegre/RS, representada neste ato por seu Presidente José Wilson da Silva, brasileiro, divorciado, militar reformado,

portador da cédula de identidade RG nº 9000754078 SSP/RS e do CPF nº 103.322.430-87, residente e domiciliado na Rua Paissandu, 187, Parthenon, Porto Alegre/RS (DOC. 3 – procuração e atos constitutivos) 

ACIMAR – Entidade Nacional dos Civis e Militares Aposentados e da Reserva, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 67.839.696/0001-15, com sede na Rua Brigadeiro Tobias, 118 – cj. 1222/1224, São Paulo/SP, representada neste ato por Francisco Fernandes Maia, brasileiro, viúvo, militar reformado da Aeronáutica, portador da Cédula de Identidade RG nº 66.207 COMAER, inscrito no CPF/MF sob o nº 532.815.608-06, residente e domiciliado à Rua Dias Velho, 408, Vila Primavera, São Paulo/SP (DOC. 4 – procuração e atos constitutivos), por seus advogados, vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência requerer a intervenção no processo na condição de 

                                                                                                 AMICI CURIAE

na forma dos artigos 138; 1035; 1038, I,  do Código de Processo Civil de 2015 e artigo 323, §3º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e  em razão dos fundamentos a seguir expostos. 

1. RAZÕES PARA ADMISSÃO COMO AMICUS CURIAE: REPRESENTATIVIDADE E INTERESSE 

As associações têm legítimo interesse no julgamento do recurso extraordinário, afetado com repercussão geral reconhecida como dotada de repercussão econômica e jurídica e questão suscetível de repetição em inúmeros processos, que objetiva a anulação de ato administrativo, referente à portaria ministerial que anistia cabo da Aeronáutica dispensado do serviço na década de 1960.

A Associação de Militares Anistiados e Anistiandos das Forças Armadas do Brasil, AMAFABRA, é uma entidade associativa, de abrangência nacional, com sede em São Paulo, fundada em 20/10/2008, com a finalidade de defender os interesses de militares anistiados e anistiandos das Forças Armadas do Brasil. Possui em seu quadro associados oriundos da Marinha e

predominantemente da Aeronáutica, sendo estes últimos, em sua maioria excabos atingidos pelas Portarias  nº 1.103/64 e 1.104/64.

Sempre atuante, participou de todos os Seminários de Anistia realizados pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados desde o ano de 2007, bem como contribuiu com participação e envio de pareceres perante a CEANISTI1, Comissão Especial de Anistia da Câmara dos Deputados, criada em 2010.

Grande parcela de seus associados, anistiandos e anistiados possuem processos em andamento na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, assim a Associação se faz sempre presente nas Sessões de Julgamento de Turma, Plenária ou mesmo nas caravanas da referida Comissão.

A Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia – UMNA, com sede própria na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada em 25 de Março de 1983, tem como patrono o bravo marinheiro João Cândido e congrega Marinheiros, Fuzileiros Navais e Cabos da Aeronáutica. Durante seus primeiros anos lutou pela redemocratização do país, e depois pela Anistia dos seus associados que foram atingidos pelo árbitro da ditadura

A entidade é reconhecida como de utilidade pública pelo governo do estado do Rio de Janeiro, conforme título anexo. Há mais de uma década, a UMNA realiza anualmente, em cidades diferentes no Brasil, um grande encontro de anistiados, anistiandos e familiares. Nestas ocasiões são organizados workshops nos quais são debatidos os principais assuntos ligados à anistia, tanto no aspecto político como no aspecto jurídico.

Também é extremamente atuante e participa de todas as atividades de anistia que ocorrem na Capital Federal, fazendo-se presente sempre que necessário, contribuindo com os debates acerca do tema perante a Comissão de Anistia, Ministério da Justiça e demais órgãos envolvidos. 

                                                 1 COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A ACOMPANHAR A APLICAÇÃO DAS SEGUINTES LEIS DE ANISTIA: LEI Nº 8878/1994, QUE "DISPÕE SOBRE A CONCESSÃO DE ANISTIA"; LEI Nº 10.790/2003, QUE "CONCEDE ANISTIA A DIRIGENTES OU REPRESENTANTES SINDICAIS E TRABALHADORES PUNIDOS POR PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO"; LEI Nº 11.282/2006, QUE "ANISTIA OS TRABALHADORES DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS-ECT PUNIDOS EM RAZÃO DA PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTO GREVISTA"; E LEI Nº 10.559/2002, QUE "REGULAMENTA O ARTIGO 8º DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS"

Fez parte da luta da UMNA, o reconhecimento da anistia de João Cândido Felisberto, líder da revolta da Chibata ocorrida em 1910, publicada em Diário Oficial em 24 de julho de 2008.

A entidade UMNA – Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia, em maio de 2010, reivindicou junto à Transpetro (Petrobras Transportes S.A.) que o nome do primeiro navio do PROMEF (Programa de Modernização e Expansão da Frota), primeiro petroleiro produzido em estaleiro nacional após um intervalo de mais de 13 anos recebesse o justo complemento de “marinheiro”, antes do lançamento ao mar, tornando-se batizado como: "Marinheiro João Cândido"(…)”. 

Atualmente a entidade está empenhada na criação de um memorial em homenagem a João Cândido, o “Almirante Negro”.

Assim como as demais entidades, a UMNA é extremamente atuante e participa de todas as atividades de anistia que ocorrem na Capital Federal, fazendo-se presente sempre que necessário, contribuindo com os debates acerca do tema perante a Comissão de Anistia, Ministério da Justiça e demais órgãos envolvidos.

A Associação de Defesa dos Direitos e Pró-Anistia ‘AMPLA’ dos Atingidos por Atos Institucionais – AMPLA, com sede em Porto Alegre-RS, já participava ativamente das atividades de anistia desde 1977/1978. Por se tratar de umas das primeiras entidades de cunho político a procurar registro, encontrou dificuldades e só conseguiu registro oficialmente em 1981.

Atualmente possui um quadro de aproximadamente 140 associados entre civis, militares e familiares de anistiados ou anistiandos políticos, destacando que muitos residem fora do Rio Grande do Sul.

Importante ressaltar a forte atuação de seu atual Presidente, José Wilson de Souza, Capitão Reformado do Exército Brasileiro, conhecido como “Tenente Vermelho”, respeitada figura emblemática de liderança nos meios de anistia, que participou ativamente da resistência à tomada do poder, no Palácio do Piartini, ao lado de Leonel Brizola e João Goulart. 

Não menos emblemático, seu vice-presidente, Almoré Zoch Cavalheiro, foi um dos vetores do movimento conhecido como “Revolta dos Sargentos”. 

O então Sargento Almoré  logrou êxito nas urnas em 1963 tendo sido eleito Deputado Estadual, no entanto foi impedido de tomar posse. A questão da elegibilidade mobilizou a classe dos graduados em 1963 originando o movimento reivindicatório que antecedeu os acontecimentos de 1964 que implantaram o governo militar.

A Entidade Nacional dos Civis e Militares Aposentados e da Reserva – ACIMAR, é uma entidade tradicionalmente presente nas lutas pela anistia, foi fundada em 1985, possui sua sede na cidade de São Paulo.

A associação reúne em seu quadro de membros, militares do Exército e da Aeronáutica residentes em várias localidades do país.

A atuação da entidade passa pela participação na elaboração das leis de anistia, notadamente a MPV 2.151-3/2001 (MEDIDA PROVISÓRIA) 24/08/2001 revogada pela MEDIDA PROVISÓRIA Nº 65, DE 28 DE AGOSTO 2002 que se converteu na Lei nº 10.559/02.

A entidade, pela sua importância e participação ativa, por ocasião da comemoração dos 34 anos da lei de anistia, foi encarregada de sediar um encontro para debates no dia 26 de agosto de 2015. O evento constou da agenda nacional de eventos do Ministério da Justiça, com divulgação em todo o país.

Todas as entidades supracitadas participaram diretamente dos estudos e elaboração da MPV 2.151-3/2001 (MEDIDA PROVISÓRIA) 24/08/2001 revogada pela MEDIDA PROVISÓRIA Nº 65, DE 28 DE AGOSTO 2002 que se converteu na Lei nº 10.559/02 que, por sua vez, regulamentou o art. 8º do ADCT/88 e nas lutas e conquistas dos direitos decorrentes das leis nº 6.683/79, EC 26/85, art. 8º do ADCT/88 e 10.559/02, tendo contribuído para a efetivação e positivação de antigas pretensões dos perseguidos políticos pela ditadura civilmilitar.

 Em diversas ocasiões, as Associações foram reconhecidas como interlocutores dos anistiados e anistiandos militares perante o Ministério da Justiça, Ministério da Defesa, Comissão de Anistia, CEANISTI e outros órgãos relacionados ao tema anistia, exercendo um papel relevante e de liderança, graças ao alto grau de conhecimento e longo tempo de atuação. 

Há de fazer menção ainda à participação das referidas entidades, por meio de seus associados, nos importantes depoimentos prestados à Comissão Nacional da Verdade, os quais ficaram registrados e fazem parte do Relatório Final entregue a então Presidente da República, Dilma Roussef. 

Diante do breve histórico traçado, as entidades ora representadas são legitimadas e aptas a contribuírem na análise e discussão dos fatos passados, presentes e futuros, trazidos a debate neste processo, além de representarem centenas de militares anistiados e anistiandos políticos que poderão ser atingidos direta e indiretamente pelo resultado do julgamento.

Com efeito, nestes autos ocorrerá julgamento de tese sobre a possiblidade de ato administrativo – PORTARIA ANISTIADORA – ser anulado pela Administração Pública, quando já decorrido o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/99, em caso de alegada violação direta do texto constitucional. 

O interesse das Associações é evidente na medida em que o julgamento quanto à existência ou não de frontal violação do artigo 8º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) tem impacto nas anistias conferidas a seus associados, em especial porque nos autos se discute caso referente a cabos da Aeronáutica que foram perseguidos por atos de motivação exclusivamente política, o que confirma a pertinência temática e a representatividade das associações.

Ou seja, além de sofreram perseguição e, após anos terem finalmente reconhecido seu direito à anistia, tal condição está ameaçada por ato da União, consubstanciado em processo administrativo extemporâneo, que pretende após decorrido muito mais de 5 anos da concessão da anistia politica, subtrair-lhe novamente direito, ao arrepio da segurança jurídica, da legalidade e do devido processo legal, pilares fundamentais e essenciais ao Estado Democrático de Direito.

É evidente a relevância da matéria, a especificidade e repercussão do tema de absoluto interesse das Associações, tudo a confirmar a participação como amici curiae, colaboradores neste importante e eficiente instrumento de participação na intepretação de regras constitucionais (de modo a contribuir também para a pluralização do debate constitucional) trazendo aos autos, mediante memorial e sustentação oral, dados fáticos e argumentos jurídicos essenciais.

As requerentes têm relação direta com o objeto do recurso extraordinário e representatividade nacional. As Associações poderão trazer elementos relevantes à compreensão da questão em debate, participando do julgamento mediante a oferta de elementos de informação a esta eg. Corte.

Sendo assim, presentes a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda, a grande repercussão social da controvérsia, em especial junto aos associados, e a representatividade ampla das associações requerentes, há de se lhes admitir o ingresso como amici curiae.

Neste aspecto, observa-se que o pedido de ingresso é oportuno, feito a tempo e modo, pois segundo o entendimento consolidado nesta eg. Corte, só é extemporâneo o pedido para admissão nos autos se formulado após a liberação para julgamento. Ademais, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a presença do amicus curiae não só é possível como é desejável, assim como será útil a sua atuação processual.

 2. QUESTÃO EM DEBATE: A DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA 

Em dezembro de 2003, o impetrante/recorrido foi declarado anistiado político, nos termos da Portaria nº 2.340, de 9.12.20032, do Ministro de Estado da Justiça. Posteriormente sobreveio ato materializado na Portaria nº 1.960, publicada no Diário Oficial da União de 6.9.20123, que anulou a  

“PORTARIA Nº 2.340, DE 09 DE DEZEMBRO DE 2003. O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no artigo 10 da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, publicada no Diário Oficial de 14 de novembro de 2002 e considerando o resultado do julgamento proferido pela Terceira Câmara da Comissão de Anistia na sessão realizada no dia 29 de Outubro de 2003, no Requerimento de Anistia nº 2003.01.14507, resolve: Declarar NEMIS DA ROCHA anistiado político, reconhecendo a contagem de tempo de serviço, para todos os efeitos, até a idade limite de permanência na ativa, assegurando as promoções à graduação de Segundo-Sargento com os proventos da graduação de Primeiro-Sargento e as respectivas vantagens, concedendo-lhe reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada no valor de R$ 2.668,14 (dois mil, seiscentos e sessenta e oito reais e catorze centavos), com efeitos financeiros retroativos a partir de 18.11.1997 até a data do julgamento em 29.10.2003, totalizando 71 (setenta e um) meses e 11 (onze) dias, perfazendo um total de R$ 190.416,26 (cento e noventa mil, quatrocentos e dezesseis reais e vinte e seis centavos), nos termos do artigo 1º, incisos I, II e III, da Lei nº 10.559, de 14 de novembro de 2002” 

 3 “PORTARIA Nº 1.960, DE 5 DE SETEMBRO DE 2012.

portaria anistiadora, com fundamento no voto nº 319/2012/GI, decorrente de procedimento de revisão pelo Grupo de Trabalho Interministerial. 

Após mais de nove anos do reconhecimento do direito e da realização do pagamento da primeira prestação mensal, permanente e continuada – a despeito das previsões contidas no artigo 54, da Lei n1º 9.784/99 referentes ao prazo decadencial e sem que fosse suscitado qualquer má-fé do então anistiado -, a Administração Pública suscitou o poder-dever de rever seus próprios a qualquer tempo por suposta violação ao artigo 8º, do ADCT, na concessão da anistia política a ex-cabos da Força Aérea Brasileira (FAB), fundamentada na Portaria nº 1.104-GMS, de 12 de outubro de 1964, do Ministério da Aeronáutica.

No julgamento do mandado de segurança impetrado originariamente perante o Col. Superior Tribunal de Justiça foi concedida a segurança para declarar a decadência do ato que anulou a portaria anistiadora, adotando como fundamento, dentre outros, que:

a) o poder-dever de a Administração rever seus próprios atos, mesmo quando eivados de ilegalidade, encontra-se sujeito ao prazo decadencial de cinco anos, ressalvada a comprovação de má-fé por parte do anistiado político, nos termos do artigo 54, caput, da Lei nº 9.784/99 c/c  37, §5º, da Constituição da República ou a existência de flagrante inconstitucionalidade; 

b) os fundamentos adotados pelo Grupo de Trabalho Interministerial para anular a anistia concedida não se referem a nenhuma espécie de má-fé;

c) o direito da Administração de anular os atos administrativos pressupõe medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato:

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no art. 10 da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, que regulamenta o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal e no art. 53 da Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, resolve: Art. 1º. ANULAR a Portaria Ministerial nº 2340, de 9 de dezembro de 2003, que declarou NEMIS DA ROCHA anistiado político, com fundamento no Voto nº 319/2012/GI, decorrente do procedimento de revisão pelo Grupo de Trabalho Interministerial, instituído pela Portaria Interministerial nº 134, publicada no D.O.U de 16 de fevereiro de 2011. Art. 2º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação” 

c.1) o conceito de autoridade administrativa não pode ser estendido a todo e qualquer agente público;  

c.2) apenas podem ser consideradas como exercício do direito de anular as medidas concretas de impugnação à validade do ato tomadas pela autoridade que tem competência exclusiva para decidir as questões relacionadas à concessão ou revogação das anistias políticas (art. 1º, §2º, III, da Lei 9.784/99 c/c 10 e 12, caput, da Lei 10.559/2002), não se enquadrando nesta definição pareceres jurídicos, de caráter facultativo, formulados pelos órgãos consultivos, em trâmite interno, genéricos, que não se dirigem especificamente a quaisquer dos anistiados.  

A União e o Ministério Público Federal interpuseram recursos extraordinários contra acórdão proferido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. 

A União alega que teria havido ofensa ao art. 8° do ADCT, bem como aos arts. 2º, 5º, incisos II, XXXVI e LXIX e 37, caput, da Constituição da República e sustenta a inaplicabilidade da decadência aos casos de inconstitucionalidade, bem como a existência de ato de conteúdo específico apto a interromper o prazo decadencial (Nota nº AGU/JD–1/2006, de 7.2.06). 

Por sua vez, o Ministério Público Federal alega que o acórdão recorrido teria violado o art. 8º do ADCT e o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição da República e afirma que a União teria editado ato, a tempo e modo, que expressaria o exercício do poder-dever de anular; logo, ainda que fosse aplicável a Lei nº 9.784/99, existiria ato de conteúdo específico apto a interromper o prazo decadencial. 

O recurso extraordinário foi recebido por esta col. Corte que reconheceu a repercussão geral, especificamente quanto à primeira questão, qual seja, se uma portaria que disciplina tempo máximo de serviço de militar atende aos requisitos do art. 8º do ADCT. Ademais, admitiu-se quanto ao questionamento: as situações flagrantemente inconstitucionais podem ser

superadas pela incidência do que dispõe o art. 54 da Lei nº 9.784/99 ou será perpétuo o direito da Administração Pública de rever seus atos em situações de absoluta contrariedade direta à Constituição Federal?  

3. A PORTARIA 1.104 COMO ATO POLÍTICO 

No presente processo, a União Federal alega “que não se pode considerar válida a anistia concedida exclusivamente com base na Portaria nº 1.104/1964- GM3, ato administrativo genérico e impessoal de licenciamento de militares da Força Aérea Brasileira, praticado em conformidade com a lei de regência e sem caráter de discriminação ou punição disciplinar.”  

Por esta razão, relevante a análise da formação da Portaria 1.104/1964-GM3 (Doc. 5) desde seus estudos preparatórios, as razões utilizadas pelas autoridades da época e a verdadeira motivação. 

Os documentos que antecederam a elaboração da Portaria 1.104, bem como a conjuntura política vivida à época de sua edição não deixam margens de dúvidas quanto à motivação política que a portaria representa, prescindindo de qualquer outro ato ou fato para que se concedesse a declaração de anistia por aqueles que foram atingidos pela referida Portaria e que tiveram, por consequência dela, suas carreiras interrompidas precocemente. 

Neste sentido, a Súmula administrativa nº 2002.07.0003 da Comissão de Anistia, antes de ser aprovada, debateu profundamente e com muita propriedade todos os aspectos envolvidos como pode ser constatado pelo documento anexo, o qual retrata o voto condutor e a análise histórica. 

O então Presidente da Comissão de Anistia, José Alves Paulino, destaca que com a “deflagração do Movimento Revolucionário de 1964 a Portaria n.º 570 foi revogada com a edição da Portaria n.º 1.104, que teve como motivação os termos contidos na PROPOSTA – Ofício Reservado n.º 4, de setembro de 1964.” 

No item 12 de sua exposição de motivos, o ilustre Presidente afirma que:  

“O Ofício Reservado é um dos elementos que inicia e compõe o conjunto harmônico de provas que evidenciam efetivamente a motivação exclusivamente política na expulsão, desligamentos e licenciamentos ex officio de cabos com base nas Portarias 1.103 e 1.104, dando efeitos retroativos ao revogar expressamente a Portaria n.º 570.” 

Complementa concluindo que: “a ideia era renovar a corporação como estratégia militar, evitando-se que a homogênea mobilização de cabos eclodisse em movimentos considerados subversivos (…)” 

Uma das mais drásticas providências oriunda dos estudos contidos no Ofício Reservado nº 4 era a determinação de encerramento das atividades e fechamento da “Associação dos Cabos da Força Aérea Brasileira” (ACAFAB) no Rio de Janeiro, da Casa dos Cabos da Aeronáutica, em São Paulo e de qualquer outra associação congênere existente em qualquer outra localidade. 

Outro documento de extrema importância, que caracteriza a motivação política é o Boletim reservado Nº 21, dele podemos citar o trecho reproduzido no item nº 41 da exposição de motivos que diz:  

“(…) conclui o encarregado deste Inquérito Policial Militar (…) que a ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA, registrada sob esse título, contrariando as Autoridades do Ministério da Aeronáutica, uma vez que essa denominação – ‘DE CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA’ – envolve o nome da corporação e se presta a explorações política. É recomendável que sejam tomadas medidas para prevenir que se organizem outras entidades, de caráter tendencioso e no a 'ACAFAB' e a 'CASA DOS CABOS DA AERONÁUTICA DE SÃO PAULO' (fls. 538), associação de caráter civil organizada por graduados da Força Aérea Brasileira, que devem ser mantidas sob vigilância para evitar que se degenerem (…). (…) ditos militares são referidos no relatório de fls. 574 e terão que ser, quando em engajamento ou reengajamento, objeto de exame cuidadoso, primordialmente no que se relaciona com o comportamento militar e civil. Também atendendo, ao sugerido no relatório de fls. 574, resolvo proibir, expressamente, sejam feitos, em folhas de pagamento, desconto em favor da ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA, da CASA DOS CABOS DA AERONÁUTICA DE SÃO PAULO e de qualquer outras associações de caráter civil, organizadas por Cabos pertencentes a Aeronáutica. (…) DETERMINO aos Senhores Comandantes de unidades procedam ao fechamento sumário e imediato de todas as sucursais da denominada ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA, que, por ventura, ainda estejam em atividades. (…) RESOLVO sejam pedidos informações ao Excelentíssimo Senhor Comandante da 4ª Zona Aérea a respeito das atividades da denominada ‘CASA DOS CABOS DA AERONÁUTICA DE SÃO PAULO’, devendo ser ao meu Gabinete remetidas Estatutos e relatados todos os fatos atinentes à mesma. (…) a ‘ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA’, já tendo suas atividades suspensas por seis meses, pelo Decreto Presidencial n.º 55.629, publicado no Diário Oficial de 28 de janeiro de 1965, deve, face à sua periculosidade, ser extinta, como o foi sua congênere ASSOCIAÇÃO DOS CABOS E MARINHEIROS. A extinção completará a série de medidas adotadas pelas autoridades federais para erradicar do meio social e sobretudo das classe militares dos organismos subversivos. Impõe-se a medida contra a ‘ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA’, que, valendo-se das garantias constitucionais que asseguram a liberdade de associação de palavra, de imprensa e das demais que caracterizam o regime democrático em que vivemos, pretendeu fazer letra morta das disposições que condicionam tais liberdades a licitude das suas finalidades. (…) Solicito, também, que os Senhores Comandantes de Unidades da Força Aérea Brasileira esclareçam com brevidade se outras entidades de cabos da Força Aérea Brasileira têm presentemente atividade. (…) Envie-se este IPM na observância do § 1.º do art. 117 do Código de Justiça Militar à Diretoria-Geral de Pessoal da Aeronáutica, para que providencie a respeito de todas as determinações ora feitas e para que promova a efetivação das punições disciplinares. Recomendo, ainda, que a Diretoria-Geral do Pessoal da Aeronáutica ponha em execução todas as ordens ora expedidas, apresentado com toda a brevidade sugestões para Avisos, ou outras medidas, caso sejam necessários e imprescindíveis(…).” 

Na referida exposição de motivos ainda temos o importante testemunho do Brigadeiro Ruy Moreira Lima, que relata a conclusão do IPM  aberto para apurar as atividades da ACAFAB:  

“Finalizando, Senhor Presidente e Ilustres conselheiros, cito a conclusão dada pelo presidente do IPM a que foram submetidos nossos Cabos: ‘A ACAFAB é uma Associação que promove reuniões subversivas contrárias ao bem público e a própria Segurança Nacional’. Com essa conclusão, é estranho que os membros das Associações de Cabos da FAB – ACAFAB, hajam sido punidos por motivo administrativo e não o político. É o meu testemunho. Na época, era o Comandante da Base Aérea de Santa Cruz – Rio de Janeiro/RJ”    

Por derradeiro, o expositor conclui no item 56:  “56. Os atos que motivaram as expulsões, desligamentos ou licenciamentos ex officio são os que definem a motivação exclusivamente política, quais sejam: o Ofício Reservado n.º 4 e o Boletim Reservado n.º 21, pois revelam os verdadeiros anseios das autoridades militares”.

 E com isso, publica-se a Súmula Administrativa nº 2002.07.0003:  “A Portaria n.º 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política”.  

Segundo entendimento de alguns anistiandos e anistiados, conforme texto disponível no site www.militarpos64.com.br4, a exposição de motivos não considerou outros documentos, igualmente importantes que reforçam a motivação política em relação aos atingidos pela Portaria 1.104, que são: 

I – O Aviso nº S-5/GM1, de 24.09.163 – reservado – que o então Ministro da Aeronáutica encaminhou ao Presidente da República com pedido de “antecipar por maior prazo o licenciamento dos Cabos e Soldados”; 

II – O despacho do Presidente da República autorizando esse esdrúxulo “licenciamento antecipado dos Cabos e Soldados”; 

III – O Aviso nº S-20/GM1, de 24.09.1963, expedido pelo então Ministro da Aeronáutica ao Diretor-Geral do Pessoal da Aeronáutica, com o teor de que deveriam ser “licenciados os cabos e soldados engajados em 1962 e 1963”; e 

IV – O Aviso nº S-24/GM1, de 03.10.1963, expedido pelo então Ministro da Aeronáutica o ao Diretor-Geral do Pessoal da Aeronáutica, com o teor de que deveriam ser “licenciados os cabos e soldados engajados em 1961”.  

Diante dos motivos que ensejaram a Súmula Administrativa da Comissão de Anistia e do conteúdo dos documentos que a fundamentaram, tais

                                                 4http://www.militarpos64.com.br/sitev2/wp-content/uploads/2011/09/12.-Afundamenta%C3%A7%C3%A3o-do-voto-condutor-da-edi%C3%A7%C3%A3o-da-S%C3%BAmulaAdministrativa-faz-a-demonstra%C3%A7%C3%A3o-hist%C3%B3rica-da-Portaria-n%C2%BA-1.104-GM3FAB.pdf

como, o Oficio Reservado nº 04, a Carta do Brigadeiro Rui Moreira Lima e o Boletim nº 21, conclui-se que a Portaria nº 1.104/GM-3 classifica-se “ato de exceção” de “motivação exclusivamente política”, portanto, em inteira conformidade com o texto do art. 8º do ADCT, não havendo como classificar as concessões de anistia que tiveram a dita Portaria como fundamento, como atos inconstitucionais.

Portanto, é inegável que a Portaria 1.104/1964-GM3 representa um ato político e que atingiu os militares que serviam na Aeronáutica por ocasião de sua edição, pois, além de alterar as regras de permanência no serviço ativo, regrados até então pela Portaria 570/GM, de 23 de novembro de 1954, contemplava uma verdadeira “limpeza” nos quadros de graduados, fato evidenciado na exposição de motivos. 

Inexiste qualquer violação ao artigo 8º, da ADCT, abaixo transcrito, ao se conceder a anistia política com base na Portaria 1.104, verdadeiro ato de motivação política, ato de exceção:

Art. 8º – É concedida anistia aos que, no período de 18/09/46 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15/12/61, e aos atingidos pelo Decreto-lei nº 864, de 12/09/69, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

Não é por acaso que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, órgão administrativo que detém a mais alta competência e autoridade na análise de pedidos de anistia política, não revogou a Súmula Administrativa nº 2002.07.0003. 

4. O ATO ADMINISTRATIVO EM QUESTÃO: INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ E DE IMPUGNAÇÃO À VALIDADE DO ATO.   

O ato administrativo anulado – após muito mais de 5 anos – consiste em portaria ministerial que reconheceu a condição de anistiado político ao impetrante.

Supostamente a portaria anistiadora estaria eivada de inconstitucionalidade, por violação ao artigo 8º, do ADCT, porque concedida a ex-cabo da Força Aérea Brasileira com base na Portaria nº 1.104-GMS, de 12 de outubro de 1964, do Ministério da Aeronáutica.

A Administração alega que houve erro na concessão da anistia porque a aludida Portaria nº 1104/1964 não poderia ser considerada como ato de exceção. Este suposto erro não decorre, porém, de qualquer inconstitucionalidade, mas de uma nova interpretação aos fatos ocorridos em 1964.

E mais, a Administração Pública não evidenciou que o interessado teria agido de má-fé ou teria adotado conduta maliciosa. Ao contrário, a Administração não tipificou o comportamento nesta hipótese.

Em verdade, a anulação da portaria anistiadora não decorreu de convicção da Comissão de Anistia. Ao contrário, a Comissão de Anistia tem firme posicionamento a respeito do direito dos ex-cabos à anistia em razão do ato de exceção, de natureza exclusivamente política, fruto de um trabalho extenso, sério e comprometido de análise das condições da época.

A anulação da portaria, instaurada no âmbito do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) – criado apenas em 2011 pela Portaria nº 134 – composto por membros da AGU e do Ministério da Justiça, adotou como fundamentos a Nota AGU/JD/1/2006 que não se refere a nenhuma espécie de má-fé do anistiado nem implica impugnação à validade do ato apta a obstruir o prazo decadencial.

A Nota tem efeito jurídico semelhante a de um parecer de caráter amplo, que não analisa de forma concreta a situação do anistiado nem recomenda a sua revisão. 

O parecer de unidade consultiva da AGU não tem o condão de obstar a decadência e não se enquadra no “exercício do direito de anular” principalmente quando não determina a revisão das anistias concedidas.

 Além do mais, a unidade consultiva da AGU não tem competência para decidir as questões relacionadas à revogação das anistiais políticas e, portanto, também não pode ser considerada “autoridade administrativa” e que os anistiados não foram informados a respeito do parecer genérico, elaborado em autos apartados.

 A nota é de 2006 e nada mais foi feito! Apenas em 2011 se instituiu um grupo de trabalho que culminou com processo de revisão, ou seja, mais de cinco anos de quando foi praticado o ato administrativo.

Fato é que transcorreram mais de cinco anos entre a concessão da anistia (de novembro de 2003) e a portaria que deflagrou o processo administrativo de revisão da anistia e a anulou em setembro de 2012 e que não há inconstitucionalidade flagrante, sendo impossível se afastar a configuração da decadência administrativa. 

5. ATO ADMINISTRATIVO: PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA 

CANOTILHO rememora que ao “decidir-se” por um Estado de Direito, a Constituição visa conformar as estruturas do poder político e a organização da sociedade segundo a medida do direito5. 

Prossegue nos ensinamentos:

“Mas o que significa direito neste contexto? A clarificação do sentido de ‘direito’ ou ‘medida do direito’ é, muitas vezes, perturbada por pré-compreensões (ideológicas, religiosas, políticas, econômicas, culturais), mas, de forma intencionalmente expositiva, podemos  5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. Coimbra: Editora Almedina, 2000, p. 243.

assinalar algumas premissas básicas. O direito compreende-se como um meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada e, para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece regras e medidas, prescreve formas e procedimentos e cria instituições. Articulando medidas ou regras materiais com formas e procedimentos, o direito é, simultaneamente, medida material e forma da vida colectiva (K. Hesse). Forma e conteúdo, pressupõem-se reciprocamente: como meio de ordenação racional, o direito é indissociável da realização da justiça, da efectivação de valores políticos, econômicos, sociais e culturais; como forma, ele aponta para a necessidade de garantias jurídico-formais de modo a evitar acções e comportamentos arbitrários e irregulares de poderes públicos. As palavras plásticas de Jhering são aqui recordadas: ‘a forma é inimiga jurada do arbítrio e irmão gêmea da liberdade’. Como medida e forma da vida colectiva, o direito compreende-se no sentido de uma ordem jurídica global que ‘ordena’ a vida política (especificamente através do direito constitucional), regula relações jurídicas civis e comerciais (através do direito civil e comercial), disciplina o comportamento da administração (direito administrativo), sanciona actos ou comportamentos contrários ou ‘desviantes’ da ordem jurídica, designadamente por lesões graves dos bens constitucionalmente protegidos (direito criminal), cria formas, procedimentos e processos para ‘canalisar, em termos jurídicos’, a solução dos conflitos e interesses públicos e privados (direito processual, direito procedimental) ”  

Neste aspecto, o direito reconhecidamente estabelece formas, procedimentos e institutos para regular as relações jurídicas do indivíduo perante a Administração Pública e, por sua vez, disciplina o comportamento da própria Administração.

ALMIRO COUTO E SILVA6 também tratando sobre o Estado de Direito destaca que são elementos estruturantes as ideias de justiça e segurança jurídica (sob um aspecto material) e também compreende a existência de um sistema de direitos e garantias fundamentais; a divisão das funções do Estado, de modo que haja razoável equilíbrio e harmonia entre elas, bem como entre os órgãos que as exercitam, a fim de que o poder estatal seja limitado e contido por ‘freios e contrapesos’; legalidade da Administração

                                                 6 COUTO E SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (lei nº 9.784/99). RGE, Porto Alegre 27 (57): 33-75, 2004.

Pública e a proteção da boa fé ou da confiança que os administrados têm na ação do Estado, quanto à sua correção e conformidade com as leis (sob um aspecto formal). 

Estando fundado em pilares essenciais, dentre eles o da legalidade da Administração Pública e da proteção da confiança dos administrados, deles resulta a presunção de legitimidade e segurança dos atos administrativos. 

Nas palavras do jurista:

“A esses dois últimos elementos ou princípios – legalidade da Administração Pública e proteção da confiança ou da boa fé dos administrados – ligam-se, respectivamente, a presunção ou aparência de legalidade que têm os atos administrativos e a necessidade de que sejam os particulares defendidos, em determinadas circunstâncias, contra a fria e mecânica aplicação da lei, com o consequente anulamento de providências do Poder Público que geraram benefícios e vantagens, há muito incorporados ao patrimônio dos administrados”.  

Ao sintetizar com maestria o princípio geral da segurança jurídica – que está estreitamente associado à proteção de confiança que, por sua vez, reflete o componente subjetivo da segurança – CANOTILHO7 observa que pode ser formulado do seguinte modo: “o indivíduo têm do direito poder confiar em que os seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições  ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e validas por esses actos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. (…) em relação a actos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos”.

Assim, o princípio da segurança jurídica, que consiste em oferecer às pessoas a crença da imutabilidade e da permanência dos efeitos que as relações visam a produzir, comporta dois vetores básicos, quanto à perspectiva do cidadão: 

“De um lado, a perspectiva de certeza, que indica o conhecimento seguro das normas e atividades jurídicas, e, de outro, a perspectiva de estabilidade, mediante a qual se difunde a ideia de consolidação das ações administrativas e se oferece a criação de novos mecanismos de defesa por parte do administrado, inclusive alguns 7 CANOTILHO, op. cit., p. 256.

deles, como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, de uso mais constante no direito privado”8. 

Não se exclui o poder da Administração Pública de anular seus atos, mas justamente para a segurança jurídica e observância da legalidade, o exercício do poder anulatório está sujeito a um prazo, como exigência do devido processo legal.

Neste aspecto, a prescrição e a decadência são fatos jurídicos (prazos extintivos) pelos quais a ordem jurídica confere destaque ao principio da segurança jurídica, em especial em virtude do transcurso do tempo e da boa-fé, e também da estabilidade das relações jurídicas. Ou seja, não se pode conceber que as relações jurídicas já consolidadas fiquem eternamente à mercê da instabilidade. 

Assim, a segurança jurídica e a proteção à confiança estão de forma expressa no artigo 54, da Lei nº 9.784/99, que trata da DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA, limita o poder de autotutela administrativa e, por consequência, a Administração não poderá mais suprimir os efeitos favoráveis que o ato produziu.

Como anotou ALMIRO DO COUTO E SILVA9: 

“A Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, deu expressão, no plano infraconstitucional e no tocante ao Direito Administrativo, ao princípio da segurança jurídica em alguns de seus dispositivos. Assim, (a) no caput do seu art. 2°, ao declarar que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência; (b) no parágrafo único desse mesmo artigo, inciso IV, ao determinar a observância, nos processos administrativos, do critério da atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa fé; (c) no inciso XIII, também desse parágrafo único, ao estabelecer a vedação de aplicar a fatos pretéritos nova interpretação de norma jurídica; e (d) ao prescrever no seu art. 54:  

‘O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.                                                 

8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 968. 9 COUTO E SILVA, Almiro, op. cit., p. 41 e 51.

§1º. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. §2º. Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato”. 

(…) No referente ao art. 54, o legislador determinou que após o transcurso do prazo de cinco anos sem que a autoridade administrativa tivesse exercido o direito de anulação de ato administrativo favorável, ela decairia desse direito, a menos que o beneficiado pelo ato administrativo tivesse agido com má fé. Como se trata de regra, ainda que inspirada num princípio constitucional, o da segurança jurídica, não há que se fazer qualquer ponderação entre o princípio da legalidade e o da segurança jurídica, como anteriormente à edição dessa regra era necessário proceder. O legislador ordinário é que efetuou essa ponderação, decidindo-se pela prevalência da segurança jurídica, quando verificadas as circunstâncias perfeitamente descritas no preceito. Atendidos os requisitos estabelecidos na norma, isto é, transcorrido o prazo de cinco anos e inexistindo a comprovada má fé dos destinatários, opera-se, de imediato, a decadência do direito da Administração Pública federal de extirpar do mundo jurídico o ato administrativo por ela exarado, quer pelos seus próprios meios, no exercício da autotutela, quer pela propositura de ação judicial visando a decretação de invalidade daquele ato jurídico.  Com a decadência, mantém-se o ato administrativo com todos os efeitos que tenha produzido, bem como fica assegurada a continuidade dos seus efeitos no futuro” – grifos nossos  

A Administração Pública, em face do prazo decadencial (que não está sujeito à suspensão nem à interrupção) perde o próprio direito de anular seus atos. Sobreleva-se a necessidade imperiosa da segurança jurídica que, por sua vez, evidencia que a confiança é um dos fatores mais relevantes de um regime democrático.

O indivíduo não pode ser surpreendido pela Administração Pública que também não pode adotar comportamentos contraditórios, tal como conceder a anistia mediante devido processo legal e depois lhe ceifar o direito sem a observância de garantias constitucionais de defesa dentre elas a da segurança jurídica e da legalidade.

Não é admissível que o Estado seja autorizado, em todas as circunstâncias, a adotar novas providências em contradição com as que foram por ele próprio impostas, surpreendendo os que acreditaram nos atos do Poder Público.

Sobre o tema, anota CARVALHO FILHO que “o que se pretende é que o cidadão não seja surpreendido ou agravado pela mudança inesperada de comportamento da Administração, sem o mínimo respeito às situações formadas e consolidadas no passado, ainda que não se tenham convertido em direitos adquiridos”10. 

Como já ficou expresso em decisão deste eg. Supremo Tribunal Federal, no AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 217.141-5 SÃO PAULO, as decisões tardias da administração não devem prejudicar o administrado em plena velhice, quando deveria estar desfrutando o prêmio da inatividade, tirando-lhe os meios de sobrevivência, quando não mais dispõe de idade para trabalhar11.

Como já mencionado pelo em. Ministro GILMAR MENDES – no julgamento do RE 898.099/MS12: 

“Como esta Corte tem afirmado em vários casos, o tema da segurança jurídica é pedra angular do Estado de Direito sob a forma de proteção à confiança. É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução da paz um elemento nuclear do Estado de Direito material e também vê o princípio da confiança como aspecto do princípio da segurança: 

‘O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar (…) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica’. (Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 91). 

O autor tedesco prossegue afirmando que o princípio da confiança tem um componente de ética jurídica, que se expressa no princípio da boa-fé. Diz: 

 ‘Dito princípio consagra que uma confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela. A suscitação de confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar. Nesta medida é idêntico ao princípio da confiança. (…) Segundo a opinião atual, [este princípio da boa-fé] se aplica nas relações jurídicas de direito público’.

(Derecho                                                 

10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 39. 11AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 217.141-5, julgado pela Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, em 13/06/2006: “Ocorre que, essa decisão administrativa muita tardia prejudicou-a em plena velhice, quando deveria estar desfrutando o prêmio de inatividade, sem mais poder ser molestada. Com o corte de seus proventos, ficou sem meios de arcar com as despesas mínimas para a sua sobrevivência e não tem mais idade para trabalhar.” 12 Recurso Extraordinário 598.099/MS, rel. Ministro Gilmar Mendes, Plenário, j. em 10.8.2011, DJe nº 189, divulgado em 30.9.2011.

Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 95 e 96)”. 

 

   Nessa linha de raciocínio, a anulação de Portaria anistiadora sem a observância da decadência administrativa fere a segurança jurídica, a confiança na administração anistia e surpreende o indivíduo pela mudança inesperada de comportamento do poder público sem respeito ao seu direito adquirido. 

6. SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO ELIDE A OBSERVÂNCIA AO PRAZO DECADENCIAL  

Certo é que o poder-dever de a Administração rever seus próprios atos, mesmo quando eivados de inconstitucionalidade – do que se cogita apenas para fins de argumentação – está sujeito ao prazo decadencial de cinco anos, ressalvada a comprovação de má-fé, nos termos do artigo 54, caput, da Lei nº 9.784/99, da Constituição da República ou a existência de flagrante inconstitucionalidade, o que não existe no caso.

Ainda que se considerasse a inaplicabilidade da decadência aos casos de inconstitucionalidade, no presente caso, seja pela ofensa ao art. 8º do ADCT, ou, seja pelo entendimento de que a existência de ato de conteúdo específico é apta a interromper o prazo decadencial (Nota nº AGU/JD–1/2006, de 7.2.06), há que se considerar o entendimento já proferido por este eg. Supremo Tribunal Federal no sentido de assegurar o princípio basilar da segurança jurídica, mesmo quando há a declaração de coisa julgada inconstitucional num processo judicial.

Pois bem.

É sabido que a Administração Pública deve obedecer, dentre outros, os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência e, ao atuar nos processos administrativos, deve se pautar nos padrões éticos de probidade, de coro e boa fé (art. 2º da Lei nº 9.784/99). E como vimos, segurança jurídica e legalidade são os dois pilares de sustentação do Estado de Direito.

Portanto, mormente se considerada a repercussão vinculante da decisão, pode ser feito uma análise comparativa, um paralelo, no que tange à coisa julgada inconstitucional com a segurança jurídica e a boa-fé.

E isso porque a declaração da coisa julgada inconstitucional não tem efeito imediato sob uma decisão já transitada em julgado. É exatamente o que acontece nos presentes autos, ou seja, temos uma Portaria de 2003 questionada por um Grupo de Trabalho Interministerial, que gerou a sua anulação pela expedição de uma Portaria somente expedida em 2012, quando já havia se consolidado a mais de 9 anos a relação jurídica entre o anistiado e a Administração Pública. Portanto, mesmo que declarada a inconstitucionalidade do ato que gerou a anistia ao anistiado, seus efeitos não são imediatos, haja vista a existência de decadência declarada por lei. 

A inconstitucionalidade do ato com base no art. 8º do ADCT há de ser analisada juntamente com a caracterização da decadência do direito da Administração Pública em anular a Portaria nº 2.340, de 9.12.2003, pois referida inconstitucionalidade não pode ultrapassar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, e, por fim, a segurança jurídica, visto que estaríamos diante da quebra da estabilidade de uma relação jurídica criada em 2003 e que somente em 2012 veio a ser questionada.  

Em vista disso, se assim for declarada, realizando-se o paralelo entre a coisa julgada inconstitucional e a segurança jurídica, há que se levar em consideração o que já decidiu este Col. STF em situação semelhante,  pois, ao declarar a inconstitucionalidade do ato posteriormente, declarou que não há reflexos automáticos sobre uma decisão já consolidada, principalmente pelo fato de que o direito decaiu. Veja-se: 

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO E RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA REFORMA OU DESFAZIMENTO.

1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito. 2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se, tem como instrumento próprio, embora não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, “l”, da Carta Constitucional. 3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional. 4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado. 5. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento”. (Supremo Tribunal Federal, RE 730.462/SP – Rel. Ministro Teori Zavascki – publ. DJE do dia 09/09/2015)  

O Ministro Teori Zavascki, relator do recurso extraordinário supracitado, assim fundamentou brilhantemente o seu voto:

“(…) 

5. Isso se aplica também às sentenças judiciais anteriores. Sobrevindo decisão em ação de controle concentrado declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo, nem por isso se opera a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Conforme asseverado, o efeito executivo da declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade deriva da decisão do STF, não atingindo, consequentemente, atos ou sentenças anteriores, ainda que inconstitucionais. Para desfazer as sentenças anteriores será indispensável ou a interposição de recurso próprio (se cabível), ou, tendo ocorrido o trânsito em julgado, a propositura da ação rescisória, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495).

Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto, notadamente quando decide sobre relações jurídicas de trato continuado, tema de que aqui não se cogita. Interessante notar que o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16.3.2015), com vigência a partir de um ano de sua publicação, traz disposição explícita afirmando que, em hipóteses como a aqui focada, “caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal” (art. 525, § 12 e art. 535, § 8º). No regime atual, não há, para essa rescisória, termo inicial especial, o qual, portanto, se dá com o trânsito em julgado da decisão a ser rescindida (CPC, art. 495). 6. Pode ocorrer – e, no caso, isso ocorreu – que, quando do advento da decisão do STF na ação de controle concentrado, declarando a inconstitucionalidade, já tenham transcorrido mais de dois anos desde o trânsito em julgado da sentença em contrário, proferida em demanda concreta. (Fenômeno semelhante poderá vir a ocorrer no regime do novo CPC, se a parte interessada não propuser a ação rescisória no prazo próprio).

Em tal ocorrendo, o esgotamento do prazo decadencial inviabiliza a própria ação rescisória, ficando a sentença, consequentemente, insuscetível de ser rescindida, mesmo que contrária à decisão do STF em controle concentrado. Imunidades dessa espécie são decorrência natural da já mencionada irretroatividade do efeito vinculante (e, portanto, da eficácia executiva) das decisões em controle concentrado de constitucionalidade. Há, aqui, uma espécie de modulação temporal ope legis dessas decisões, que ocorre não apenas em relação a sentenças judiciais anteriores revestidas por trânsito em julgado, mas também em muitas outras situações em que o próprio ordenamento jurídico impede ou impõe restrições à revisão de atos jurídicos já definitivamente consolidados no passado. São impedimentos ou restrições dessa natureza, por exemplo, a prescrição e a decadência. Isso significa que, embora formados com base em preceito normativo declarado inconstitucional (e, portanto, excluído do ordenamento jurídico), certos atos pretéritos, sejam públicos, sejam privados, não ficam sujeitos aos efeitos da superveniente declaração de inconstitucionalidade porque a prescrição ou a decadência inibem a providência extrajudicial (v.g., o lançamento fiscal) ou o ajuizamento da ação própria (v.g., ação anulatória, constitutiva, executiva ou rescisória) indispensável para efetivar o seu ajustamento à superveniente decisão do STF. No âmbito criminal, configura hipótese típica de modulação temporal ope legis a norma que não admite revisão criminal da sentença absolutória (art. 621 do CPP), bem como inibe o agravamento da pena, em caso de procedência da revisão (art. 626, parágrafo único, do CPP). Isso significa que, declarada inconstitucional e excluída do ordenamento jurídico uma norma penal que tenha sido aplicada em benefício do acusado em sentença criminal transitada em julgado, há empecilho legal à eficácia executiva ex tunc dessa declaração, por falta de instrumentação processual para tanto indispensável. 7. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, pelos fundamentos já expostos, que aquela sentença é insuscetível de rescisão. 8. O que se acaba de sustentar tem apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a saber (…)”   

O Ministro Celso de Mello assim também declarou em seu voto nos autos supracitados:

“(…) A necessária observância da autoridade da coisa julgada representa expressivo consectário da ordem constitucional, que consagra, entre os vários princípios que dela resultam, aquele concernente à segurança jurídica. (…) O que se revela incontroverso, nesse contexto, é que a exigência de segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnada de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Red. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, situações consolidadas e protegidas pelo fenômeno da “res judicata”.”  

Realizando-se um comparativo entre a causa ora em debate e a julgada acima em repercussão geral, podemos afirmar que é possível um ato ser declarado inconstitucional, sem, contudo, mudar seus efeitos pela imposição dos princípios da segurança jurídica, da confiança e da boa-fé, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, pois materializados na relação jurídica já consolidada desde o ano de 2003 pela Administração Pública, bem como atingidos pela decadência.

A inconstitucionalidade, por sua vez, não afasta a observância ao prazo decadencial. Ainda que esta Col. Corte eventualmente entenda pela a inconstitucionalidade do ato com base no art. 8º do ADCT, não se elide a observância ao prazo decadencial e a imposição do ato administrativo persistir no tempo em virtude do ato jurídico consolidado no passado.

  Ainda em sua obra, CARVALHO FILHO13 descreve acerca do princípio da segurança jurídica, bem como sua relação com a prescrição e decadência em relações jurídicas que já geraram estabilidade entre a Administração e os cidadãos, reiterando que o prazo extintivo deve ser observada a despeito da alegada inconstitucionalidade:  

“No que se refere à Administração, tanto há situações alcançadas pela prescrição quanto pela decadência. Em todas elas o que se pretende é assegurar certo grau de permanência nas situações jurídicas de direito público, de modo a ser observado o já consagrado princípio da segurança das relações jurídicas. A correção do ato administrativo através da anulação não fica sempre a critério da Administração. Há certas situações fáticas que produzem obstáculos ou barreiras à anulação. Uma delas consiste na consolidação de determinada situação decorrente do ato viciado: se os efeitos desse ato já acarretaram muitas alterações no mundo jurídico, consolidando certa situação de fato, a subsistência do ato, mesmo inquinado de irregularidade, atende mais ao interesse público do que seu desfazimento pela anulação. Trata-se, todavia, de hipóteses de exceção, mas que, na verdade, podem ocorrer e já ocorreram na prática. A outra barreira é o decurso do tempo. Ultrapassados determinados períodos de tempo fixados em lei, fica extinta a pretensão ou o direito potestativo, tanto de terceiros em relação à Administração,13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal. Comentários à lei nº 9.784, de 29.1.99. São Paulo: Editora Atlas, 203, p. 267/269.

quando da Administração em relação a si própria. Em tais hipóteses, o óbice à correção resultará do surgimento da prescrição ou da decadência. À guisa de esclarecimento, se o indivíduo, tendo sofrido lesão em seu direito por conduta administrativa, só decide exercer a pretensão de vê-lo reconhecido (por exemplo, a pretensão de receber determinada gratificação) fora do prazo fixado em lei, terá contra si a ocorrência da prescrição. Por outro lado, se certo ato administrativo retira certa gratificação dos ganhos do servidor, e este resolve postular sua anulação fora do prazo legal, ocorrerá a decadência, com o que estará extinto o próprio direito de pleitear a invalidação. No que concerne ao ato administrativo ilegal, a ideia é a mesma. Se o ato contém vício por determinado período, sem que a Administração providencie a correção, cria-se em favor do administrado situação jurídica protegida na lei, no caso, a decadência do direito da Administração de anular o próprio ato. O art. 54 da lei dispõe nesse sentido. Estabelece que o direito da Administração de anular atos administrativos que tenham produzido efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos a partir da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (…)  O legislador, sem dúvida, teve o escopo de consagrar o princípio da estabilidade das relações jurídicas através do subprincípio da segurança jurídica. A aplicação deste decorre de certas situações jurídicas que devem ser convalidadas em virtude da incidência dos fatos tempo e boa-fé dos administrados. Reflete a proteção à confiança, princípio sobre o qual incide o aspecto subjetivo “e neste se sublinha o sentimento do indivíduo em relação a atos, inclusive e principalmente do Estado, dotados de presunção de legitimidade e com a aparência de legalidade”, como já deixamos consignado. Se é certo que os atos eivados de vício de legalidade devem ser expungidos do mundo jurídico, não menos verdadeiro é que esse princípio precisa ser ponderado com o da segurança jurídica, de modo que o emprego do instrumento de invalidação não tenha efeitos mais prejudiciais do que os advindos da convalidação. De fato, se o Estado produz atividade presumivelmente legítima, é de se considerar que os administrados lhes dispensem sua confiança no que tange à validade dos atos administrativos que dela resultam. Por isso, transcorrido determinado período, a situação decorrente do ato, mesmo eivado de vício, converte-se em situação definitiva, impedindo seja alterado por iniciativa da Administração e seja desnaturada a confiança do administrado depositada no ato. Em várias situações tem sido adotada tal postura, ampliando-se a garantia dos administrados quanto à segurança jurídica” – grifos nossos.   

O anistiado obteve da Administração Pública o direito à anistia com pagamento de benefício, tudo de acordo com o art. 8º do ADCT, bem como dentro dos limites da Lei nº 10.559/2002. O direito não pode ser a qualquer tempo retirado do anistiado por decisão posterior, e aí podemos utilizar como analogia a coisa julgada inconstitucional que não gera efeitos imediatos para relações passadas, sobretudo quando verificada a decadência, como bem disse o Col. STJ nos presentes autos. 

Desta feita, de acordo com a jurisprudência emanada desta própria Corte, tratando-se de uma decisão imutável, mesmo com declaração de ato ou norma inconstitucional, esta recebe proteção da Carta Magna, notadamente pelo fato de que a revisão de referidas decisões já proferidas sob a vigência deste ato ou norma inconstitucional, podem restar ultrapassadas pela prescrição ou decadência, e, portanto, cria-se uma situação de certeza, confiança e segurança jurídica para as relações já consolidadas.

Sob outro enfoque, recentemente, no julgamento do RE 669.069/MG, esta Corte assentou o entendimento de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública, estando em discussão a controvérsia jurídica a respeito do sentido e do alcance do disposto na parte final do artigo art. 37, § 5º, da Constituição Federal.

Não obstante nestes autos se tratar de prazo decadencial, e não prescricional, fato é que os administrados não podem ficar infinitamente à mercê da Administração Pública, com o direito de revisão de seus atos “perpétuo”, mesmo que se entenda pela sua inconstitucionalidade. Tal comportamento gera uma insegurança jurídica incompatível com os princípios previstos na Constituição Federal, que devem ser totalmente zelados por esta Col. Corte. 

Assim, cairia por terra a estabilidade das relações jurídicas criadas entre a Administração e os administrados. Tanto que, conforme dito acima, o Col. STF declarou no julgamento do RE 669.069/MG ser prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública.

Da mesma forma, o teor do artigo 54 da Lei nº 9.784/99 não pode ser ignorado nos presentes autos, considerando-se que, ao contrário da exceção disposta na parte final do § 5º do art. 37 da Constituição Federal, para a Administração Pública, a decadência é a regra. 

A Administração Pública deve se utilizar de elementos apropriados e prazo razoável para atingir seus fins visando a supremacia do interesse público sobre o particular. 

D.v, pautar as atividades da Administração pela declaração de não incidência do prazo decadencial para revisão de seus atos, caso venha a ser provido o recurso extraordinário em análise, geraria a total instabilidade das relações jurídicas perante toda a coletividade, que não teria mais assegurados seus direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada, previstos no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, violando a segurança jurídica criada num ato que foi impugnado já fora do prazo decadencial.

Ignorar a previsão contida no artigo 54 da Lei nº 9.784/99, seria caracterizar o “direito de ação eterno” na revisão dos atos emanados pela Administração Pública, que são pautados pela segurança jurídica, confiança e boa-fé.

Portanto, a decadência, assim como a prescrição, são fatores de suma importância para a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, da convivência e da paz social no Estado Democrático de Direito.

Não se pretende retirar o exercício da autotutela da Administração Pública, mas sim, reafirmar que este direito não pode ser eterno. É o que acontecerá com os efeitos do provimento do presente recurso extraordinário, haja vista que garantirá a anulação “sem limite de prazo” do direito de revisão dos atos que porventura venham a ser declarados inconstitucionais, gerando total instabilidade nas relações firmadas no passado. Ou seja, o administrado nunca mais terá satisfeitos os princípios garantidos pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. 

E assim citou o eminente Ministro Marco Aurélio em debate no julgamento do RE 669.069/MG supracitado:

“Para a Administração declarar, no campo administrativo, insubsistentes os próprios atos – cinco anos. Vejam: nem mesmo na época do regime de exceção chegou-se a tanto. Será que, considerada a Carta que se disse cidadã, que trouxe ares democráticos, tem-se esse poder insuplantável do Estado, de deixar que permaneça sobre a cabeça daquele obrigado a ressarcir uma verdadeira espada de Dâmocles?” 

Portanto, o prazo extintivo do direito de a Administração rever seus atos deve ser a regra, tendo em vista que ele é fator importante para a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social, como já exaustivamente exposto na presente petição.

XXX 

Pelo exposto, e contando com os doutos suprimentos de Vossa Excelência, pedem que sejam admitidas nos autos como amici curiae, considerando a importância do tema e seu legítimo interesse e representatividade. 

Ademais, pedem que sejam apreciadas as razões ora apresentadas que reforçam a imperiosa improcedência dos recursos extraordinários, bem como que lhe seja garantida a oferta de memoriais e a realização de sustentação oral. 

 

Nestes termos, pedem deferimento. 

Brasília, 16 de agosto de 2016.  

Janine Malta Massuda OAB/DF 15.807     

Shigueru Sumida OAB/DF 14.870  

Paulo Sergio Turazza OAB/SP 227.407

Bárbara Costa Pessoa Gomes Tardin OAB/RJ 126.767

 

E vamos em frente…

Abcs/SF (77)

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OJSilvaFilho.
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
Email: ojsilvafilho@gmail.com

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
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