A GÊNESE DA PORTARIA 1.104/GM3

 

BREVE HISTÓRICO

 

1. Ato Institucional nº 01 (trechos):

“A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução.”

“Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma”.

“O presente Ato institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa”.

“…só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do Pais.”

“…a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação.”

“Ficam suspensas, por 6 (seis) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade.”

O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, bem como da sua conveniência ou oportunidade.

 

REIVINDICAÇÕES DE MILITARES

Espelhados nos direitos dos trabalhadores em se manifestarem através de associações e sindicatos, militares da Marinha e da Força Aérea, por caminhos diversos se manifestaram. Os primeiros através de um Motim e os ultimos através da criação da Associação de Cabos da Força Aérea Brasileira.

 

  1. MOTIM NA MARINHA:

 

Em decorrência do Motim de militares da Marinha onde mais de um milhar deles compareceram ao Sindicado dos Metalúrgicos demonstrando, segundo o Comando da Marinha, desrespeito a hierarquia militar, foi elaborada a Exposição de Motivos 138, de 21 de agosto de 1964.

 

  1. CRIAÇÃO DA ACAFAB:

        

No turbilhão daquele momento difícil da história do Brasil, cabos da FAB criaram uma Associação com o objetivo de reivindicar alguns direitos, dentre eles os de casar, votar e ter o corte de cabelo diferenciado.

 

Essa atitude contrariava a legislação militar e era uma afronta à hierarquia e a disciplina o que, somadas às movimentações tidas como subversivas, fizeram com este episódio fosse conhecido como “o problema dos cabos”, que veio a dar origem a um estudo consoante os ditames do Ofício Reservado nº 04, do Ministério da Aeronáutica, abaixo transcrito.

 

Naquele documento fica estampada claramente a motivação política quando em seu item VI, diz o seguinte, verbis:

“VI O denominado “problema dos cabos não decorre do número existente, porque este é o previsto nos Quadros de Distribuição de Pessoal (QDP), organizados pelo Estado-Maior e aprovado pelo Ministro. Também, nada há de ilegal no fato de haver cabos com muitos anos de serviço.

Quando o número destes tende a aumentar, ou quando não há uma renovação contínua desses graduados é que surgem as pretensões descabidas

Nota-se que não era por conta do excesso de contingente e nem pel tempo de serviço, mas pelo “problema dos cabos” decorrentes da criação da ACAFAB. E isso está evidente quando diz ainda naquele item VI que quando o número daqueles (Cabos) aumentava e não havia renovação, surgiam, em decorrência as PRETENÇÕES DESCABIDAS,  ou seja, as reivindicações que eram proibidas.

À essa Associação se filiaram centenas de cabos e o ideal que ela abraçava se propagou entre a tropa, com reflexo nas três Forças. Era, na verdade, motivo de preocupação dado o momento político do país.

Todos os Atos Administrativos ou não, praticados durante o Regime Militar, eram inspirados no Ato Institucional nº 01 e nos que o sucederam.

Para os militares havia duas formas de exercitar o “Poder Constituinte”:  pela eleição popular ou pela revolução”. Eles optaram pela Revolução dizendo que esta se legitimava por si mesma e que só a ela cabia editar normas e os processo de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS que lhe assegurassem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País, conforme pensavam.

Ela, a Revolução não tinha que se legitimar perante o Congresso, este sim, deveria se submeter aos seus interesses.

A Revolução suspendeu as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade e isso foi se prorrogando no tempo, de sorte que durante os anos de chumbo, esses institutos ficaram prejudicados.

Estes atos arbitrários não poderiam ser apreciados e nem tampouco a sua conveniência ou oportunidade, ou seja, não havia a quem recorrer. O Judiciário se calava e foi impedido de se manifestar de forma contrária ao pensamento da Revolução.

A manifestação democrátiva por direitos iguais aos dos civis era vista como uma afronta ao regime militar e considerada como ato subversivo.

Para combater esses movimentos reivindicatórios e/ou de surgiram no âmbito das Forças Armadas, os primeiros Atos de Exceção através do  Ofício Reservado nº 04 do Ministério da Aeronáutica e da Exposição de Motivos nº 138 da Marinha, ambos com lastro no Ato Institucional nº 01, que dava ao Comando da Revolução plenos direitos para editá-los.

 

TRANSCRIÇÃO DA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Nº 138, DE 21 DE AGOSTO DE 1964

 

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REPRODUÇÃO DO OFÍCIO RESERVADO Nº 04, DE SETEMBRO DE 1964 (MICROFILMADO)

 

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TRANSCRIÇÃO DO OFÍCIO RESERVADO Nº 04, DE SETEMBRO DE 1964

OFÍCIO 04                                            Rio de Janeiro                     setembro de 1964

 

Do: Presidente do Grupo de Trabalho constituído pela Portaria nº 16, de 14 de janeiro de 1964, modificada pela de nº 140, de 25 de fevereiro de 1964.

Ao: Excelêntíssimo Sr Ministro da Aeronáutica, por intermédio do Estado-Maior da Aeronáutica

                                                                                                         Assunto: Permanência no Serviço Ativo  de Praças do C.P.S. Era

                                                                                                         Anexo: Estudo com minutas de Decreto, Portaria, Instruções e Aviso.

 

                   I  – Apresento a Vossa Excelência o Estudo do Grupo de Trabalho, que sob minha presidência, foi constituído para rever e atualizar as instruções aprovadas pela Portaria nº 570/GM3, datada de 23 de novembro de 1954, que dispõe sobre a permanência de praças no serviço ativo da Aeronáutica.

                   II – A ultimação do trabalho demandou delonga compreensível, tanto pela necessidade de substituição de membros do Grupo, como pelas numerosas disposições a serem consultadas. Além disso foi feita uma consulta ao Estado-Maior da Aeronáutica para o estabelecimento dos critérios a serem seguidos.

                   III – O Grupo de Trabalho sem perder de vista o interesse do serviço da Aeronáutica, e colocando-o em primeiro plano, examinou as soluções possíveis e apresenta como ação recomendada as minutas de Decreto, Portaria, Instruções e Aviso, que se baixados, darão forma às providências julgadas mais adequadas.

                   IV – No (…ilegível) da permanência de praças no serviço ativo, o Grupo de Trabalho dedicou especial atenção à situação dos cabos com mais de 08 (oito) anos de serviço e, em consequência propôe providências que possam estimulá-los ao ingresso na Escola de Especialistas, mediante uma tolerância de idade, a vigorar nos próximos 02 (dois) anos.

                  Para que não tornemos a contar com muitos cabos com muitos anos de serviço sem possibilidade de acesso, a providência julgada adequada (ilegível…) prorrogações de tempo de serviço (….ilegível) oito anos de permanência contados desde a iniciação nas fileiras da FAB.

                   Dessa maneira resulta uma fase de transição que cogita dos cabos de 6 até 8 anos (menos de) na data dos atos apresentados.  A esses, de par com a tolerânciad de idade para a matrícula na EEAer (Escola de Especialistas), se concederão 2 (dois) anos para a permancência em serviço, findos os quais, deverão ser licenciados.

                   V – O tempo de serviço tomado como base foi o de 8 (oito) anos, por que os cabos nessa situação já, forçosamente, ultrapassaram a idade, ainda em vigor, de 25 anos, para ingresso na EEAer. No momento, o ingresso nas fileiras se faz aos 18 anos – e 8 (oito) anos depois – já o militar ultrapassou a idade de matrícula naquela Escola.

                   VI O denominado “problema dos cabos  não decorre do número existente, porque este é o previsto nos Quadros de Distribuição de Pessoal (QDP), organizados pelo Estado-Maior e aprovado pelo Ministro. Também, nada há de ilegal no fato de haver cabos com muitos anos de serviço.

                   Quando o número destes tende a aumentar, ou quando não há uma renovação contínua desses graduados é que surgem as pretensões descabidas.

                   VII – Sugerindo uma fase transitória, com uma tolerância de idade para matrícula na EEAer, pretendemos aproveitar o trabalho desses subalternos até que completem o tempo de serviço mínimo para a inatividade, em situação melhor, isto é, como Sargentos desde que para essa graduação satisfaçam as condições mínimas exigidas.

                   Essa providência nos pareceu justa e exequível. É natural que muitos deles com o passar dos anos tenham agora os conhecimentos que lhes faltavam quando podiam inscrever-se para o concurso da Escola. Essa tolerância de idade é uma medida compensadora pelos anos de serviços prestados pelos mais antigos, ao mesmo tempo, compila os que tem de 6 a 8 anos a se prepararem para o exame, antes de serem licenciados.

                   VIII – Quando se conceder tolerância aos mais idosos, os mais novos ficam abrangidos. Nesse caso, para que a fase transitória fosse determinada, sugerimos que os cabos pudessem se matricular na Escola até a idade de 35 anos, nos anos de 1965 a 1966.

                   A fixação da idade de 35 anos resultou do exame do tempo útil mínimo em que poderia servir após o curso. Se ingressasse na FAB com 18 anos, o cabo que tem 35 anos, conta 17 anos de serviço. Se a duração do curso é de 2 (dois) anos, será graduado 3º Sargento com 19 anos de serviço. Restam-lhe, pois,  6 anos antes de completar os 25 exigidos para o ingresso na reserva. Esses 6 anos se reduzirão a 5 caso conte com licença-especial não gozada.

                   Mas 5 anos é a média de interstício do 3º Sargento. É, pois, pouco provável, que na graduação em véspera de promoção venha a solicitar transferência para a inatividade, quando, além do mais, se esforçou para galgar a graduação que terá.

                   Não nos pareceu que haja inconveniente de que seja sargentos até o fim da carreira, em lugar de permanecerem como cabos.

                   Há a considerar ainda que, se o tempo que lhes resta de serviço é relativamente curto, após o curso, isso não é uma providência definitiva, vez que vigorará apenas para aqueles que por seu trabalho (…ilegível) e esforço o mereceram.

                   IX – Conforme se vê do trabalho que ora apresento a Vossa Excelência, foi necessario  propor alteração das idades de matrícula na EEAer, de modo a coordená-las com os tempos de serviço que serão deferidos aos cabos e soldados. Ao mesmo tempo, em fases da legislação em vigor, fica sugerido que os cabos e soldados de 1ª. Classe possuidores do CFC não percam a situação hierárquica anterior, quando matriculados na EEAer.

                   O Curso de Formação de Cabos é o primeiro degrau de especialização existente na Aeronáutica. Se quem faz o CFC não perde vencimentos, quando matriculados na EEAer,  os cursos ficam valorizados e é de esperar-se que os soldados a eles acorram, resultando disso a elevação de nível geral de instrução das praças.

                   Nâo propusemos que todos os militares conservem seus vencimentos anteriores, quando alunos, porque os não possuidores do CFC não podem reenganjar. Esses, ficou previsto que devem ser licenciados ao completar 4 (quatro) anos no máximo, desde a inclusão.

                   Por outro lado, os não possuidores do CFC – caso consigam ingressar na EEAer, estão em situação idêntica a de qualquer candidato civil, isto é, sem serem possuidores dos conhecimentos para as especialidades militares.

                   Assim não nos pareceu que pelo simples fato de serem militares devam conservar os vencimentos anteriores. Essa vantagem deve ser o prêmio ao esforço e estímulo aos que podem servir na graduação acima.

                   X – As instruções a vigorarem para as prorrogações de tempo de serviço pareceu-nos que devem denominar-se “Instruções para prorrogação do Serviço Militar, etc. em lugar do “Instruções para Permanência, etc.”, como dispõe a Portaria ainda em vigor, porque com tal denominação melhor se harmoniza com o termo da nova Lei do Serviço Militar, recentemente sancionada.

                   XI – Deixamos de referir-nos a outros pormenores dos atos ora propostos a Vossa Excelência por serem eles autoelucidativos e, outros, por estarem esclarecidos nos estudos feitos.

                   XII – Resta esclarecer a Vossa Excelência que o Grupo de Trabalho contou com a colaboração de oficiais do Estado-Maior, da Diretoria de Ensino, e Diretoria de Pessoal e que as conclusões em forma de minuta representam o ponto-de-vista daqueles Órgãos.

                  

                                                        Brigadeiro-do-Ar Miguel Lampert

                                                        Presidente do Grupo de Trabalho

(finda a transcrição…………………………………………………………………………………)

                                                                                                               

CONSIDERAÇÕES

         Diante dessa transcrição fica claro e evidente que a Portaria 1.104GM3/64, editada  em 12 de outubro de 1964 – menos de um mês após a conclusão constante do Ofício Reservado nº 04 – foi gerada por EXPEDIENTE RESERVADO, objetivando solucionar o “problema dos cabos”, tidos como subversivos.

         Com base em todo o ocorrido e sendo os fatos anteriormente narrados do conhecimento das autoridades públicas, notadamente aquelas que militavam na área dos direitos humanos, começaram a surgir movimentos reivindicando a Anistia Política.

         A primeira dessas Leis, a de nº 6.683 foi promulgada em 28 de agosto de 1979, Regulamentada pelo Decreto 84.143/79, ainda no governo do Presidente João Figueiredo.

         A segunda, a de nº 8.878 foi promulgada em 11 de maio de 1994, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

         Tendo em vista que ainda haviam pendências em relação a cidadãos perseguidos pelo Regime Militar, surgiu a Lei 10.559/2002, com a finalidade de regulamenta o Art. 8º da ADCT, no sentido de se promover uma anistia ampla, geral e irrestrita. Num primeiro momento foi editada a Medida Provisória nº 2.151/2001, reeditada três (3) vezes, depois revogada pela Medida Provisória nº 65/2002 que foi transformada na Lei 10.559/2002.

(MP nº 2.151/2001, de 31/05/2001, reeditada pela MP nº 2.151-1, de 28/06/2001, reeditada pela MP nº 2.151-2, de 27/07/2001, reeditada pela MP nº 2.151-3, de 24/08/2001, revogada pela MP nº 65/2002, de 28/08/2002, que foi convertida na Lei n.º 10.559, de 13NOV2002.)

 

         Durante os estudos para se chegar a Lei definitiva várias Emendas de Deputados foram apresentadas e também a Exposição de Motivos a seguir, onde em seu item 5, terceiro parágrafo consta o seguinte, verbis:

“Na sequência, e finalizando o Capítulo, o anteprojeto assegura direitos aos atingidos pela Portaria 1.104 do Ministério da Aeronáutica de 12 de outubro de 1964, que se fundamenta no Ofício Reservado nº 04 de setembro de 1964 e pela Exposição de Motivos n. 138, de 21 de agosto de 1964, sem prejuízo de outros atos considerados pela Comissão.”

            Hoje, muitos dos que contestam direitos dos perseguidos políticos decorrentes da Portaria 1.104GM3/64, desconhecem o “Espírito da Lei” de que estavam embuídos aqueles que participaram de sua construção e o próprio Legislador, desconhecendo, inclusive, o narrado no parágrafo anterior.

 

         EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS 146 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

       

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         Na sequência veio a Lei 10.559/2002, que regulamenta o Art. 8 da ADCT e deixa bem claro, entre outros, os dispositivos citados no Art. 2º, itens I e XI, a seguir, verbis:

Art. 2o São declarados anistiados políticos aqueles que, no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, foram:

I – atingidos por atos institucionais ou complementares, ou de exceção na plena abrangência do termo;

(…)

XI – desligados, licenciados, expulsos ou de qualquer forma compelidos ao afastamento de suas atividades remuneradas, ainda que com fundamento na legislação comum, ou decorrente de expedientes oficiais sigilosos.

Fácil de se notar que nesses dois itens estão claramente demonstrados os motivos constantes do Ato Institucional nº  I, bem como a presença antecessora à Portaria 1.104GM3/64, dos expedientes sigilosos:  EM 138 e o Ofício Reservado nº 04.

         Claro está no item XI, o licenciamento – através da Portaria 1.104/64 – decorrente de expedientes sigilogos (EM 138 e Ofício Reservado 04) – objetivando “resolver o problema dos Cabos” que quando em grande número e sem renovação no quadro, faziam reivindicações descabidas.

E foi com base em tudo isso que se procedeu ao estudo concreto dos fatos chegando-se a elaboração da Súmula Administrativa 2002.07.0003, a seguir:

TRANSCRIÇÃO DA SÚMULA ADMINISTRATIVA Nº 2002.07.0003/CA, APROVADA PELO PLENÁRIO DA COMISSÃO DE ANISTIA NO DIA 16 DE JULHO DE 2002 E EM VIGOR ATÉ A PRESENTE DATA VEZ QUE NÃO FOI REVOGADA.

“A Portaria nº. 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política”.

                Diante de todo o exposto, os votos constantes de cada processo se fundamentaram nos fatos anteriormente narrados e, em seguida, foram encaminhados ao Ministro da Justiça que determinou a imediata publicação no Diário Oficial da União, transformando todo o processo em Ato Jurídico Perfeito e Acabado.

         Enquanto durou o período de Exceção, todo o questionamento feito em torno desses Atos de Exceção passaram ao largo. Nâo havia a quem recorrer. O Judiciário estava sufocado.

         Com o fim desse período, semelhante ao da “Inquisição”, começou a abertura e a normalização política do país.

         Para que os brasileiros pudessem conviver em paz surgiu, no governo João Figueiredo, o movimento por uma anistia ampla, geral e irrestrita.

         Foram promulgadas as Leis 6.683, de 28 de agosto de 1979, pelo Presidente Figueiredo e Lei 8.878, promulgada pelo Congresso Nacional em 11 de maio de 1994 e, por último, a Lei 10.559/2002, tratando de forma geral e abrangente as pendências relativas a todas as perseguições políticas ocorridas no período de 1946 a 1988.

         A Constituição Federal de 1988, trouxe em seus Art. 8º da ADCT, a seguinte determinação legal, verbis:

            “Art. 8º – É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos”.

            A Carta Magna, ainda em seu Art. 48, estabelece, verbis:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

I – sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;

II – plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado;

III – fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas;

IV – planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento;

V – limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União;

VI – incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembléias Legislativas;

VII – transferência temporária da sede do Governo Federal;

              VIII – concessão de anistia;

         Assim, o Congresso Nacional, através da Lei 10.559/2002, delegou ao Ministério da Justiça, auxiliado pela Comissão de Anistia a competência para analisar e julgar os processos de anistia e, sendo assim, só e somente só, esse Órgão poderia dizer quem preenchia as exigências para ser anistiado político.

         Ao que parece, todo esse procedimento relacionado a Anistia Política no âmbito da Força Aérea, desagradava os comandantes militares, em cujos cargos de Comando estavam justamente os remanescentes do Regime Militar de 1964.

         As anistias decorrentes da Lei 10.559/2002, começaram a ser concedidas nos últimos meses do Governo Fernando Henrique Cardoso.

         No início do Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, os militares começaram a contestar as anistias políticas, alegando uma série de fatos objetivando provar que a Portaria 1.104GM3/64 era tão-somente um expediente administrativo comum destinado a definir o tempo de permanência em serviço das praças.

         Nessas idas e vindas, pressionado pelo Comando da Aeronáutica, o Ministro da Justiça resolveu consultar a Advocacia-Geral da União que se manifestou através do Parecer AGU-JD-3 da lavra do Dr. João Drumond, a seguir:

 

NOTA PRELIMINAR nº. AGU/JD-3/2003,

Entende-se aqui o motivo pelo qual o então Consultor-Geral da União Dr. JOÃO FRANCISCO AGUIAR DRUMOND com o Aprovo do Advogado-Geral da União Dr. ALVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA, emitiu a presente Nota, da qual selecionamos os itens 29 e 30 da citada nota, in verbis:

“29. Desse modo, a Portaria em questão, por si só, PARECE não configurar ato de exceção”.

“30. É que, para a configuração dessa espécie de ato, HAVERIAM DE CONCORRER outros elementos externos, aptos a comprovar tratamento discriminatório, com motivação exclusivamente política, causadores de prejuízo aos seus destinatários, o que, até o momento, não teria sido apurado pela Comissão de Anistia.

         Esse, com certeza, não foi o “Espírito da Lei” do Legislador e nem do Congresso Nacional, até por que a Portaria nº 1.104GM3/64 não era por si só causadora dos licenciamentos uma vez que foi produzida e originada em decorrência do Ato Institucional nº 01 e inspirada nos Atos de Exceção do Ofício Reservado nº 04 e Exposição de Motivos 138, para resolver a “ameaça comunista” ou “o problema dos Cabos”. Logo, já era por si só, contaminada por expedientes reservados e sigilosos, além da influência maléfica do período de exceção em que foi editada.

         Mas, dessa manifestação da AGU, que NÃO VINCULAVA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, surgiu o Parecer do então Chefe de Gabinete do Ministro Márcio Thomaz Bastos, Dr. Claudio Demenzuck de Alencar, que concluía que somente aqueles Cabos que tivessem ingressado na Força antes da Edição da Portaria, teriam direito a Anistia.

         Esse Parecer deu nova interpretação à Lei que não contém tal previsão legal. Não fala o Legislador em “Status” de Cabo, e nem tampouco se o militar teria que ter ingressado antes ou depois da edição da Portaria, etc. Pelo contrário, a Lei 10.559/2002, regulamenta o Art. 8º da ADCT que trata de uma anistia ampla, geral e irrestrita e se refere a todos aqueles que no período de 1946 a 1988, tenham sofrido perseguição política, QUE É O CASO.

         O Comando da Aeronáutica, se tornou renitente em cumprir determinação legal expressa em Lei e contesta as Anistias dos Cabos, desta feita, inclusive, as concedidas também àqueles que ingressaram na Força antes da Edição da Portaria 1.104GM3/64.

         Diante de tal fato, o Ministro da Justiça, na tentativa de se resolver de uma vez por todas, a situação, cria através da Portaria 134/2011, o Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, composto por membros (advogados) daquele Ministério e da AGU, com a finalidade de rever, mais uma vez, as anistias concedidas, fixando critérios que a Lei não contempla, ou seja, Legislando sobre Anistia Política que é atribuição exclusiva do Congresso Nacional.

         Relações de anistiados contendo os chamados “Pré-64” e alguns casos “especiais” foram encaminhadas ao Ministério da Justiça e anexadas à Portaria 134/2011 e, posteriormente à Portaria 2.245/2011 com o objetivo de serem revistas.

         Com isso, pela segunda vez, foi dada nova interpretação, vedada por Lei, fixando critérios sem a devida previsão legal, o que pode ser considerado  “Legislar de Má Fé”, na tentativa de protelar ao máximo, direito líquido e certo, até por que, todos os anistiados em questão já ultrapassaram a faixa da decadência prevista na Lei 9784/99.

         A própria AGU, através do seu Consultor Geral, no Despacho de nº 1499/2009, em seu item 5, que tratava das “Anistias do período Collor” já se manifestava da seguinte forma, verbis:

“5. Em primeiro lugar, Sr. Advogado-Geral, vale ressaltar que o Parecer CGU/AGU nº 01/2007 – RVJ, aprovado pelo Parecer JT – 01/2007, pelo Excelentíssimo Sr. Presidente da República, e  publicado no Diário Oficial da União, o que lhe confere caráter vinculante  à luz do Art. 40º § 1º da Lei Complementar 73, de 1993, indica que nenhum Órgão da administração pública federal tem o poder de rever decisões de mérito da Comissão Especial Interministerial.”

Em tese, em se tratando de Anistia Política, serve como Paradigma para a situação dos Cabos da FAB.

 

CONCLUSÃO

         A atitude tomada pelo Comando da Aerronáutica, em pleno Estado de Direito Democrático, é autoritária, arbitrária e ilegal, parecendo até que continuam atuando sob a sombra do Ato Institucional nº 01/64 e carece de ser punida exemplarmente, por infringência a crimes tipificados e a irregularidades cometidas, ao persistir de forma renitente, no questionamento aos ditames da Lei 10.559/2002, promulgada pelo Congresso Nacional.

         Tais atitudes constituem, data vênia, crimes de Litigância de Má Fé, Prevaricação, Danos Morais e Improbidade Administrativa, que devem ser apurados e os responsáveis punidos, inclusive, se assim entender o Magistrado, com a perda do cargo público.

         Nâo se pode, de forma consciente e por vontade próporia, obstaculizar o cumprimento da Lei e nem lhe dar intepretação diferente daquela a que foi destinada e que traz em seu conteúdo, que reflete seu espírito e seu objetivo.

         Tais atitudes, além de prejudicar de forma cruel aos beneficiados pela anistia, como se sofressem permanentemente novas perseguições, inclusive de cunho emocional e psicológico, afetando a saúde de pessoas idosas, causam instabilidade jurídica.

         Em sendo assim, seria interessante, que tais atitudes não quedassem impunes, mas que fossem levadas ao conhecimento do Judiciário para as providências que o caso requer, através das várias ações compatíveis com os delitos praticados e que se faz necessário para frear a sanha daqueles que insistem em agir como se ainda estivessem em pleno regime de exceção, afrontando as Leis e as Autoridades constituídas.

 

Brasília/DF , 26 de janeiro de 2013.

 

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José Roberto Cardoso
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
E-mail
joserobertoonzeonze@hotmail.com

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Legislação, Documentos e Assuntos pesquisados:

Clique no link para ler o Documento original:

Ofício Reservado nº 04

Exposição de Motivos nº 138/64

Boletim Reservado n.º 21, de 11.05.65, do Ministério da Aeronáutica 

AI-1

EM Nº 146/MJ, de 13 de abril de 2000

Súmula Administrativa CA-2002.07.0003-CA,

Lei nº 6.683, de 1979

SÚMULA ADMINISTRATIVA Nº 2002.07.0003/CA

ATA da Sessão de Julgamento da CA dia 16.07.2002

ATA DA 2ª SESSÃO EXTRAORDINÁRIA REALIZADA EM 16.08.2002 APROVANDO SÚMULA ADMINISTRATIVA

LEI DE ANISTIA Nº 10.559/2002

NOTA PRELIMINAR Nº AGU/JD-3/2003, de 30 de setembro de 2003

PARECER do Dr. Claudio Demenzuck de Alencar contrário aos ex-Cabos da FAB Incorporados Pós 1964

1.Instruções Para Permanência em Serviço Ativo das Praças dp CPSAER

2.Boletim Reservado nº 08, de 06.05.1964 – Abertura de IPM contra membros da ASCAFAB

3.Boletim Reservado nº 021, de 11.05.1964 – IPM-ACAFAB – Solução Final e Providências Tomadas

4.Ofício Reservado nº 04 – de 04 de setembro de 1964 – TRANSCRIÇÃO

5.Exposição de Motivos EM nº 138-MM, de 21.01.1964

DECRETO-LEI N. 9.698 DE 2 DE SETEMBRO DE 1946

LEI Nº 4.375, DE 17 DE AGÔSTO DE 1964

DECRETO-LEI N. 9.500 DE 23 DE JULHO DE 1946

DECRETO N. 11.665 DE 17 DE FEVEREIRO DE 1943

ATO INSTITUCIONAL Nº 1

ATO INSTITUCIONAL Nº 5

Ofício Reservado nº 04

Decreto 68.951/71

Ofício Reservado nº 04

Portaria nº 1.103-GM3 de 08 de outubro de 1964 – DOU s-n Seção I de 12.10.1964 Pág 9292

Portaria nº 1.104-GM3 de 12 de outubro de 1964 – DOU s-n Seção I de 22.10.1964 Pág 9522

Portaria nº 1.371-GM3 de 18 de novembro de 1982 – DOU s-n Seção I de 22.11.1982 Págs 21770 e 21771

Portaria 1.104GM3

Portaria 408GM3/66

Portaria 673GM3

Portaria 1.371GM3

Portaria 072GM2/71

Portaria 1.126GM3/78

Boletim Reservado n.º 21, de 11.05.65, do Ministério da Aeronáutica

Exposição de Motivos nº 138/64

Ofício Reservado nº 04

Exposição de Motivos nº 138/64

– (Boletim Reservado n.º 21, de 11.05.65, do Ministério da Aeronáutica.)

Clique Aqui para ler o “Parecer Cláudio Demenzuck de Alencar – Original”

– Conheça o PARECER N° 606/2009/PGR, de 06 de outubro de 2009, nos autos do MS-14567-DF, clicando no ícone para abrir e ler o teor do Documento:

Doc.1 Doc.2 Doc.3 Doc.4 Doc.5

– Na Comissão de Anistia e Paz cerca de 2.734 ex Cabos (Pré e Pós64) da FAB foram DEFERIDOS em 2002, donde 495 (Pós64) tiveram as anistias anuladas – em processos de anulação instaurados fraudulentamente no Gabinete do Assessor Especial do MJ – 152 (Pós64) JULGADOS e DEFERIDOS desde 2002 e com as portarias não publicadas em DOU pelo Gabinete do ex-Ministro da Justiça Marcio Thomas Bastos foram julgados pela 2º vez pela Comissão de Anistia e INDEFERIDOS sumariamente, também em 2004; 3.117 ex-militares da FAB, entre Soldados, Cabos e Sargentos, foram INDEFERIDOS EM BLOCO, no ano de 2005, e 86 Processos de ex-Cabos não foram localizados nos arquivos da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

 

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Postado por Gilvan Vanderlei
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
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