PARTE DO VOTO NUM PROCESSO DE ANISTIA DE UM “CABO PÓS 1964”

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Passarei a transcrever abaixo, parte da relatoria do VOTO DE DEFERIMENTO prolatado no processo de um Cabo Pós 1964, pela Conselheira Juliana Neuenschwander Magalhães, em 31 de outubro de 2002, onde argumenta sobre a Portaria nº 1.104GM3, de 12 de outubro de 1964; a Lei nº 5.774 de 23 de dezembro de 1971; o Decreto nº 68.951 de 19 de julho de 1971, dentre outras legislações, literis:

” (…)


17. A Lei 5.774, de 23 de dezembro de l97l, que revogou o Decreto-Lei nº 1.029/69, dispunha ser direito dos militares “a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço” (Art.84, II, a) e o licenciamento:

“Art. l25. O licenciamento do serviço ativo se efetua:

I – apedido; e
II – ex officio.

1º O licenciamento a pedido poderá ser concedido, desde que não haja prejuízo para o serviço:

a) ao oficial da reserva convocado, após prestação do serviço ativo durante 6 (seis) meses; e

b) à praça engajada ou reengajada, desde que conte, no mínimo, a metade do tempo de serviço a que se obrigou.

Parágrafo 2º – o licenciamento ex officio será feito na forma da Lei do Serviço Militar e regulamentos específicos da cada Força Armada:

a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio;
b) por conveniência do serviço; e
c) a bem da disciplina.

Parágrafo 3º – o militar licenciado não tem direito a qualquer remuneração e, exceto o licenciamento ex officio a bem da disciplina, deve ser incluído ou reincluído na reserva”.

18. O Decreto nº 68.951, de julho de 1971, veio se reportar ao Art. 52, letra “b”, do Decreto-Lei nº 1.029, que estabelece a estabilidade como direito dos Cabos, portanto, todos aqueles Cabos que incorporaram na FAB até a data do Decreto nº 68.951, de 19 de julho de 1971, é que teriam a possibilidade de serem aproveitados no Quadro Complementar de Terceiros Sargentos da Aeronáutica e, evidente, a partir daí, os novos incorporados se sujeitariam às novas regras.

19. O referido Decreto, aparentemente, encerrou o ciclo das arbitrariedades cometidas contra os Cabos sob o manto da “aparente legalidade” da Portaria 1.104GM3/64.

Assim, com base no entendimento ora exposto e dado que esta Comissão já assentou o caráter excepcional da Portaria nº 1.104GM3/64, reconhecemos que todos aqueles por ela atingidos fazem jus à anistia política, independente de a incorporação ter se dado antes ou após a sua vigência, até a data limite de 19 de julho de 1971.

Militares expulsos de suas fileiras no período anterior ou posterior a este, dentro do limite temporal fixado pela Constituição Federal ( ) devem, necessariamente, não lhes sendo diretamente aplicável a Súmula Administrativa do Plenário da Comissão de Anistia.

20. Pode-se concluir portanto que, já sob a proteção da Lei nº 5.774, os Cabos não mais seriam atingidos pela Portaria nº 1.104GM3/64.

Com isto, fica afastada a presunção da motivação política para aqueles que foram desligados até aquela data, conforme sumulado pela Comissão de Anistia, não obstante o fato de que a Portaria tenha gerado efeitos na vigência da legislação anterior, que dispunha de modo semelhante, posto que esta não tivesse o condão de revogá-la.

Cabe a Comissão de Anistia, portanto, analisar, após 1971, caso a caso a motivação política nos processos de anistia.


Mas resta pacifico que, se a Portaria nº 1.104GM3/64 já foi considerada Ato de Exceção de natureza exclusivamente política por esta Comissão de Anistia, obviamente, todos aqueles atingidos por ela, e que por isso tenha sofrido prejuízo em suas atividades profissionais, têm direito a anistia e aos benefícios dela decorrentes.


Não há que se restringir esse direito aos incorporados posteriormente à sua edição.

21. O artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias veio assegurar aos declarados anistiados “as promoções, na inatividade, na graduação ou posto a que teriam direito se na ativa estivessem“.

Para a projeção de tais promoções a Constituição estabeleceu critérios, também assumido pela Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, da obediência aos “prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitados as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos“.


22. O requerente ingressou na FAB e foi licenciado por “motivação exclusivamente política” na graduação de Cabo, o qual se na ativa estivesse, “obedecidos os prazos de permanência em atividade” atingiria à graduação de Suboficial.


Em face disso, ao atingir à graduação de Suboficial, o requerente passaria para a reserva remunerada com “a percepção de remuneração correspondente ao grau hierárquico superior” – Art. 50, inciso II, da Lei 6.880/80 – ou seja, com a remuneração do posto de 2º Tenente.

23. A teor de tais dispositivos militar da presente questão, atingiria a graduação de Suboficial e seria “transferido para a inatividade” ou para a “reserva remunerada” com “os proventos calculados sobre o soldo correspondente à graduação imediatamente superior”, com o “soldo correspondente ao posto de segundo-tenente“.


24. Por outro lado, o Art. 98, inciso I, alínea ‘c’, da Lei 6.880/80, estabelece que “a transferência para a reserva remunerada, ex officio, verificar-se-á sempre que o militar” atingir idade-limite para cada posto ou graduação, assim:

a) suboficial ……………………………………………………….. 52 anos
b) primeiro-sargento e taifeiro-mor ……………………….. 50 anos
c) segundo-sargento e taifeiro de 1ª classe ………………. 48 anos
d) terceiro-sargento e taifeiro de 2ª classe ………………. 47 anos
e) cabos …………………………………………………………….. 45 anos
f) marinheiros, soldados e soldados de 1ª classe ………. 44 anos

25. A Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002, em seu Art. 14, trouxe uma garantia àqueles que tenham sido declarados “anistiados políticos“, garantia esta de que ficam “assegurados os benefícios indiretos mantidos pelas empresas da Administração Pública a que estavam vinculados quando foram punidos, ou pelas entidades instituídas por uma ou por outros, inclusive planos de seguro, de assistência médica, odontológica e hospitalar, bem como financiamento habitacional“.

26. Nesse particular, a própria Lei nº 6.880/80, Art. 50, inciso IV, alínea ‘e’, já assinala como direito do militar, o seguinte:

” e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividade relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e para-médicos necessários”.

27. Por isso, com base nos dois dispositivos – Art. 14, da Lei nº 10 559/02 e Art. 50, inciso IV, alínea ‘e’, da Lei 6.880/80 – o Requerente tem direito ao uso do sistema de saúde da Força Aérea Brasileira.

28. O Requerente, também faz jus à “contagem, para todos os efeitos“, do tempo como se de serviço fosse, do prazo em que perdurou a sua cassação até a data em que atingiria a graduação de Suboficial, considerando as licenças prêmios não gozadas e qüinqüênios, como vantagens a serem calculadas sobre os soldos da graduação ou posto, além das demais vantagens incorporadas ao posto de 2º Tenente.

29. Portanto, a conclusão para que seja declarado anistiado político o Requerente, reconhecendo que o requerente, licenciado na graduação de cabo, com fundamento na Portaria nº 1.104, ainda que posteriormente à data de 12 de outubro de 1964, data da publicação desta Portaria, ou que até a data da edição do Decreto nº 68 951 – de 19 de julho de 1971 – mas encontrava-se na graduação de cabo até esta data, serão asseguradas:

a) as promoções até a graduação de Suboficial, com “todas as vantagens e promoções caso houvesse permanecido em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamento vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores civis e militares”, com o soldo de 2º Tenente, para o efeito precípuo de parâmetro para a concessão de reparação econômica de caráter indenizatório em prestação mensal, continuada e permanente;

b) a contagem do tempo de serviço, inclusive licenças prêmios, para os afeitos do adicional de tempo de serviço – qüinqüênios/anuênios – de 30% a incidir sobre o soldo de 2º Tenente, mais adicional de 8% e habilitação militar de 12%.


c) Os direitos para se associar e/ou ingressar, se for do interesse do Requerente, aos institutos de benefícios indiretos previstos no art. 14 da Lei 10 559/02, c/c art. 50, inciso IV, alínea ‘e’, devendo-se ter em conta que o ônus dessa “assistência geral”não é do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, mas sim do próprio órgão de origem, pois são os gestores dos respectivos institutos, ficando, portanto, apenas assegurado ao Requerente o direito a integrar institutos exclusivamente dos membros da Força Aérea Brasileira;

É o voto.

Brasília, 31 de outubro de 2002.

Conselheira Juliana Neuenschwander Magalhães
Relatora”

É o que se contém, em parte, no referido VOTO DE DEFERIMENTO.


José Pedro de Gouvêa
P/ASMARFAB
jotapegou@ibest.com.br